Evolução táctica do jogo (1)
 
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Evolução táctica do jogo (1)

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Red AuerbachPartindo das propostas de alguns autores que se debruçaram sobre a evolução do basquetebol na sua vertente táctica, vamos tentar explanar neste texto uma perspectiva de conjunto.

Preâmbulo

“Basketball is like war: the offensive weapons are developed first, it always takes a while for the defense to catch up!” Red Auerbach

Red AuerbachSe há algo de verdadeiramente essencial na evolução da táctica do basquetebol, ou mesmo no jogo globalmente considerado, é a luta de colectivos opostos, de carácter dialéctico, entre o ataque e a defesa. Períodos houve em que pertenceu à defesa a vantagem no jogo. Relembre-se o 1 a zero com que terminou o primeiro jogo e os resultados escassos das primeiras décadas de vida do basquetebol. Outros períodos se sucederam em que, inversamente, o ataque superou a defesa. E é desta luta de colectivos, em que há uma relação de forças com dominâncias alternadas, que se tem feito o jogo. Se foi assim na história do jogo e continua a sê-lo hoje, é interessante verificar como também na evolução dos jogadores e do seu nível de jogo, o mesmo se pode observar, sucedendo-se, alternadamente, etapas de dominância defensiva ou ofensiva.

“Em todos os desportos, quer eles sejam individuais ou colectivos, dois grandes factores são indispensáveis:

- uma formação técnica primeiro;

- uma formação táctica de seguida.

Desde o dia em que Naismith inventou o Basquetebol, todos os treinadores se debruçaram sobre esses problemas e a evolução, graças aos seus trabalhos, foi contínua e proveitosa.” (Busnel, 1963, p. XIII)

“Como a maior parte das coisas no Basquetebol, em vez de uma especial centelha de génio, a necessidade é a mãe da invenção táctica.

Qualquer revista do passado do jogo confirma que outras inovações no jogo foram produto de reacções similares de treinadores e jogadores às circunstâncias do seu tempo.” (Wooden & Nater, 2006, p. 3)

Linhas no tempo

Vamos então de seguida delinear, de uma forma breve e esquemática, um quadro da evolução estratégico-táctica do jogo de basquetebol. Por evolução estratégico-táctica, entenda-se as grandes concepções de jogo que apareceram ao longo do tempo, desde que o basquetebol foi inventado e que definiram as formas principais como o basquetebol foi interpretado nos campos de jogo. Há, no entanto, uma realidade incontornável: a evolução do basquetebol deu-se a tantas velocidades, quantos os locais e os tempos em que se implantou. O mesmo aconteceu com a sua evolução táctica. E dentro desses mesmos locais, diferentes experiências dos jogadores participantes demonstravam essa realidade. Por exemplo, em Espanha, onde a implantação do basquetebol se deu a partir da década de 30, atravessaram-se fases que outros países já tinham ultrapassado anteriormente (González, 2007). O mesmo aconteceu em países onde o basquetebol surgiu e se desenvolveu em anos posteriores.

 John WoodenEm primeiro lugar, há que salientar que quando o basquetebol apareceu, ele não surgiu do nada, tacticamente falando. Os seus primeiros praticantes também não eram neófitos do movimento desportivo. A totalidade dos dezoito membros da turma de Naismith, que eram originários, aliás, de diferentes países, praticava habitualmente, entre outros jogos, o futebol americano. O próprio inventor do basquetebol, James Naismith, tinha sido praticante deste desporto e ainda do râguebi, assim como conhecia também o futebol europeu, conhecido como “soccer” nos EUA. Daí que, tanto do ponto de vista técnico como táctico e estratégico fossem notórias certas influências na concepção e prática do jogo, desde o início do mesmo. É disso prova a disposição dos jogadores no campo, com três defesas, três médios e três atacantes que aparece em opúsculos e na obra principal de Naismith (Naismith, 1941). Essa disposição e terminologia utilizada (posição de “forward”, por exemplo) eram claras importações terminológicas e nocionais desses jogos já existentes (Cooper & Siedentop, 1975) e derivavam também, em linha directa, da directiva regulamentar que durante algum tempo delimitou o campo em três terços: o terço defensivo, o médio e o ofensivo. Um livro relativamente recente de John Wooden e Swen Nater (2006), faz a dado passo, uma breve história das inovações tácticas que serviram de fundação à construção do ataque da Universidade U.C.L.A. que, sob o comando de John Wooden, tantos êxitos obteve e tão bem jogou este nosso jogo. Continuando com a questão já  mencionada da delimitação do campo de jogo, em cada um desses terços havia jogadores com funções também delimitadas: quando o jogo se passou a jogar 5 contra 5, as equipas distribuiam-se em dois “guards” que defendiam no terço defensivo, um “center” a meio campo (que atacava e defendia) e dois “forwards” que atacavam (Wooden & Nater, 2006). Essa disposição foi posteriormente pragmaticamente abolida trazendo como consequência a possibilidade de atacar (e defender) com mais jogadores (Wooden & Nater, 2006). Foi o que aconteceu, com a incorporação progressiva (Herr, 1980) de mais jogadores nas duas funções opostas do jogo: o ataque e a defesa. Como resultado da integração de mais um jogador no ataque as defesas faziam recuar mais um jogador para tarefas defensivas de modo a equilibrar a oposição. A partir de um determinado momento passou-se a atacar e a defender com cinco jogadores, podendo-se afirmar que o jogo adquiriu um feição táctica de “basquetebol total”.

A defesa originalmente praticada era do tipo “homem a homem” estrita e os ataques eram relativamente curtos, baseados em passes rápidos e movimentos dos jogadores que rapidamente obtinham à sua disposição oportunidades de lançamento. O ataque tinha um carácter espontâneo, vivendo das iniciativas dos jogadores. Era um jogo rápido, com recurso ao que se pode chamar de contra-ataques pouco estruturados, com finalizações acrobáticas. Em França, a esse tipo de jogo, típico das primeiras décadas do século XX, deu-se o nome de “ripopo”. Quando a defesa se “sofisticou” passou a haver a necessidade de se fazer algo diferente para obter as tais oportunidades de lançamento e esse algo foram os “bloqueios ofensivos”, que a curto prazo se tornaram tremendamente eficazes e que se caracterizaram também pela sua rudeza (Wooden & Nater, 2006).

Foi então, devido à necessidade de parar esse tipo de bloqueios que surgiu uma nova forma de defender, a defesa à zona, a qual tornou o tipo de ataque standard anterior contra homem, bastante ineficaz dado que os jogadores que cortavam e os que recebiam bloqueios tinham dificuldades em descortinar quais os espaços não defendidos pelos jogadores da zona. Refira-se no entanto, que outro dos motivos invocados para a criação e utilização das defesas à zona foi a necessidade sentida, por parte de algumas equipas profissionais que já existiam nas primeiras décadas do século XX, de se protegerem do desgaste físico, dado que realizavam muitos jogos seguidos. Esse tipo de defesa à zona, realizado de uma forma bastante estática como era o caso, dava-lhes a oportunidade de defenderem sem se cansarem demasiado.

Ward Lambert

Muito cedo também, alguns dos nomes mais famosos do jogo, como os clássicos treinadores Ward “Piggy” Lambert e Clair Bee (Wooden & Nater, 2006), definiram conceitos clássicos de como atacar uma defesa à zona. Primeiro, sobretudo baseados na questão de evitar o “princípio de massa da zona” através da utilização do contra-ataque. Posteriormente e como o problema não ficava resolvido sempre que o contra-ataque não tinha sido possível, foram-se sucedendo as concepções sobre as soluções para vencer a zona já instalada.

Outra questão também já bem conhecida foi a de colocar um jogador grande nas imediações do cesto e nas formas regulamentares e técnico-tácticas que foram aparecendo para esse fenómeno ser contido em limites aceitáveis.

A visão de Lucien Herr

Lucien Herr (1980) foi um autor francês que apresentou em livro a sua percepção sobre a evolução histórica da modalidade. Sistematizou-a em três períodos: 1.º- Das origens ao jogo organizado; 2.ª- Da organização empírica à organização racional; 3.ª- O jogo moderno. É uma descrição das ideias deste autor, complementadas com alguns comentários nossos que vamos fazer nos próximos parágrafos.

Na primeira fase e principalmente no seu começo eram típicas as sistemáticas tentativas individuais para atingir o objectivo do jogo. Como a atenção era prestada sobretudo ao deslocamento da bola, a intercepção era, por sua vez, a forma predominante da acção defensiva. O jogo era confuso, seguindo uma forma que o autor designa de contra-ataque desordenado. A técnica era muito primária e muito devendo aos gestos naturais adaptados à manipulação da bola. Das qualidades físicas individuais derivava em muito o sucesso das equipas. Registe-se aqui o paralelo entre este tipo ou nível de jogo e o jogo dos principiantes actuais. Aparentemente, existem, de facto, muitas semelhanças nos dois tipos de jogo embora as razões sejam diferentes. Num caso o jogo é assim por falta de cultura técnico-táctica pois estávamos nos primórdios da criação do mesmo. No outro caso, o dos principiantes modernos, apesar dessa cultura existir no próprio meio ela não foi ainda incorporada nas competências dos jogadores, devido ao seu estado de formação basquetebolística ainda não  completa pois trata-se de crianças ou jovens. O resultado obtido no primeiro jogo em 21 de Dezembro de 1891, em que apenas se marcou um cesto é algo que agora ocorre também nos jogos dos principiantes actuais.

Muito rapidamente, tal como já foi referido anteriormente, a cópia do que se fazia noutros jogos desportivos colectivos prevaleceu, com as ideias de ocupação racional do campo e da especialização dos jogadores. Quando o número de jogadores de equipa se estabilizou em cinco, em 1895 (Olivera Betrán, 1984) dois deles especializaram-se como defensores, dois como atacantes e o jogador restante fazia a ligação entre os anteriormente mencionados. Posteriormente, o ataque em busca de criar condições para vencer a defesa oponente, foi criando uma vantagem numérica sucessiva fazendo avançar mais um dos jogadores e incorporando-o na fase ofensiva. Em reacção, a defesa fez recuar os seus homens da frente até que a defesa e o ataque de cinco homens se tornou comum. Isto foi, nas palavras de Herr na obra que temos citado, “o prelúdio a uma nova organização do “jogo colectivo” no qual todos os jogadores participavam alternativamente no ataque e na defesa” (Herr, 1980, p. 37). O tal “basquetebol total” como nós o denominámos  em linhas anteriores.

Na segunda fase, e relativamente à defesa, verifica-se rapidamente a recuperação defensiva desde a perda da bola seguida da organização colectiva, cujo primeiro sistema foi o individual. Verificavam-se verdadeiros “combates singulares” entre os pares de oponentes. Para compensar alguns dos desequilíbrios que se verificavam nestes duelos, as equipas começaram a utilizar sistematicamente o recuo para perto do seu cesto e a utilização de um “muro” que foi uma fase inicial do que viria a constituir, posteriormente, o sistema de defesa à zona. Quando esta se consolidou, os contra-ataques e os ataques de posição contra este tipo de defesa viram reduzida a sua margem de sucesso de forma que durante bastante tempo esta foi considerada a defesa mais eficaz e generalizada. Herr dá como exemplo que durante mais de dez anos – no fim dos anos 10, início dos anos 20 do século XX – os resultados não ultrapassavam vinte ou trinta pontos.

Só que a criatividade e o método da resolução de problemas tem sido a regra no basquetebol como o é também noutros sectores de actividade social. E os treinadores, através de observações minuciosas, foram elaborando soluções, tais como: “combinações” de ataque que exploravam os pontos fracos das zonas; a utilização, no interior da defesa e próximo do cesto, de homens altos – os postes – e os lançamentos exteriores, de longa distância. A eficácia ofensiva daí resultante teve de ser contrariada pelas defesas pelo que também estas tiveram de se adaptar novamente.

A utilização de combinações de ataque e de sistemas de defesa valeram ao basquetebol, como diz Herr, uma reputação de “desporto de intelectuais”. Apesar de algumas vantagens que os sistemas trouxeram para a organização do jogo, a mecanização que a cópia cega das combinações trouxe a muitas das equipas, assim como o tolher das iniciativas individuais, foram aspectos negativos e não menores, que durante algum tempo tornaram o basquetebol menos atraente para jogadores e espectadores. Só os treinadores ocupavam um lugar criativo no jogo, sendo como jogadores de xadrez. Os verdadeiros jogadores de basquetebol, por sua vez, não passavam de meras peças de tabuleiro. Essa mecanização excessiva dos jogadores foi também o resultado de uma cópia irreflectida do que se passava no basquetebol americano. Em França, nos finais dos anos 40 e inícios dos anos 50, o debate em torno destas questões foi muito grande, tendo-se constituído dois grupos de treinadores com visões do jogo opostas.

O terceiro período, ainda segundo Herr, começou em 1960 com as olimpíadas de Roma sendo confirmado nos posteriores campeonatos do mundo e seguintes jogos olímpicos de 64. Alguns falaram de “retorno à simplicidade” mas o nosso autor refere que sob esta designação está um conhecimento profundo do jogo, e do jogo colectivo em particular, assim como uma técnica mais desenvolvida. Caracterizando este novo jogo “moderno” que apareceu por essa altura, Herr menciona cinco das suas características: 1- uma organização colectiva mais bem articulada e adaptável; 2- uma melhor integração de cada jogador no conjunto das acções colectivas; 3- uma técnica individual muito rica; 4- capacidades psico-motoras essencialmente adaptadas ao domínio particular do basquetebol; 5- uma filosofia nova ou renovada que olha o jogo como um momento de uma história que é vivido por uma equipa cujo valor não é absoluto mas que varia perpetuamente em função dos encontros e dos adversários.

Este autor aponta ainda o sentido da evolução do jogo onde prevê um lugar essencial à adaptabilidade e à inteligência.

(Continua na próxima Quinta-Feira).

 

 


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