O sentir do treinador
 
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O sentir do treinador

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O sentir do treinadorEnquanto treinadores, sentimos ao longo da nossa vida, com um determinado significado e de modo relacionado com a utilidade possível daquilo que observamos ou com que contactamos. Em permanência, estamos sempre abertos ao mundo que nos rodeia e, simultaneamente,

dentro desse mundo somos sujeitos ativos que influenciam e são influenciados. Estabelecemos ligações com jogadores, dirigentes, jornalistas, adeptos, etc., reagindo através do nosso corpo todo, um corpo que somos nós a vivê-lo. Tal condição corporal é a nossa medida do ser no mundo.

Sendo no mundo, deveria afirmar-se, como o faz Merleau-Ponty no prefácio da sua Fenomenologia da Perceção(1) que não há homem interior, mas que tudo o que somos, e o melhor do que somos, se completa nas correspondências e interpelações do mundo. O nosso interior está todo no exterior – e esse exterior é o interior do mundo.

O nosso comportamento e o daqueles com quem convivemos, é o nome de tal circunstância.

Há aqui uma circularidade entre as experiências entretanto vividas e o nosso próprio corpo, que induz a aprendizagem e a sabedoria do corpo: uma aprendizagem comportamental. O mesmo é dizer que as nossas experiências e as dos jogadores que treinamos são sustentadas pela plasticidade corporal, projetando-nos no mundo enquanto unidade vital, sensorial e dinâmica (como um todo), não fazendo sentido persistir na tese científica que perdurou durante anos e que reduzia a ordem humana ao físico, à fisiologia e à neurologia.

O corpo é um princípio de pertença e o mundo um conjunto de intensidades o que significa, por exemplo, que na prática desportiva de onde provimos, os atletas fazem corpo com o terreno de jogo e com as intensidades do espaço. E o corpo e o espaço não têm uma relação neutra, pois o modo de ser corpo completa-se no mundo, do mesmo modo que o mundo ganha sentido no corpo. Em qualquer modalidade desportiva, o espaço de jogo ensina os jogadores a melhorar através da respetiva movimentação espacial. Ou, num jogo-livre, (na rua), jovens e adultos quando se confrontam com o conhecimento puro das relações espaciais e se entrelaçam numa relação plástica, constantemente dialética, as circunstâncias e os contextos criados, ensinam o que fazer e a situação real correspondente ao jogo, constitui um meio poderoso de aprendizagem e treino. O mesmo se pode afirmar em múltiplos exemplos do desporto: sempre que as equipas mudam do respetivo lado do campo, ou visitam campos adversários, de imediato, toda a perceção que os jogadores tinham do espaço que anteriormente ocupavam se modifica de forma drástica.

Devemos, por isso, aceitar que o corpo faz do humano, ao mesmo tempo, interioridade e exterioridade, sujeito e objeto, natureza e cultura, motricidade e espaço, expressando um comportamento percetivo que passamos agora a procurar aprofundar.

A realidade do comportamento aponta, portanto, para o plano de uma experiência pré-objetiva, anónima, pré-pessoal de incorporação do mundo.

“Merleau-Ponty colocou desde logo como constituintes essenciais dessa autêntica atividade percetiva, um outro constituinte que nos parece primordial: o primado da ficção na perceção, ou seja, a existência de atividades interpretativas que visam, não traduzir fielmente o que se destaca para nós quando percebemos, mas oferecer-nos as satisfações e o reconforto que só o reinado da significação é capaz de nos fornecer”(2).

Para este filósofo, os nossos sentidos não decalcam pura e simplesmente a realidade exterior, abrem sim o nosso corpo para tudo o que o rodeia, numa comunicação continuada e mutuamente influenciadora. Vivemos assim, treinadores e jogadores, uma “experiência percetiva”, num verdadeiro círculo envolvente, sensorial e motor, numa conivência dinâmica capaz de interligar a ação humana com o mundo.


1 - Maurice Merleau-Ponty, Phénomenologie de la perception, (Paris : Galimard, 1945).
2 - Naccache, L’Introspection de la perception visuelle, 40.


Jorge Araújo
Presidente da Team Work Consultores

 


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