Depois de três dias a falar sobre a Teresa Barata e o Hélder Silva, chegou a hora da entrevista exclusiva que concederam ao nosso site. Sente-se confortavelmente à frente do seu computador, pois vamos sair das normas habituais das entrevistas. Esta vai ser longa, mas muito interessante.
Enquanto Jogadores
Muito bom dia, Teresa e Hélder! Quais foram os clubes por onde passaram enquanto atletas de basquetebol?
Teresa – SAD - Algés, CREA - Estrelas da Avenida, CIBF – Clube Independente de Basquetebol Feminino (Porto) e Académico do Porto.
Hélder – Sporting de Lourenço Marques, Clube Atlético de Queluz, Sporting Club de Portugal, Clube Atlético de Portugal, Sport Lisboa e Benfica, CREA - Estrelas da Avenida, Clube Estoril Praia, Ginásio Clube de Vila Real e Bairro Latino.
De qual deles guardam melhores recordações? Porquê?
Teresa – De todos, guardo boas recordações, pois sempre fui muito bem tratada. Em todos eles, trabalhei bastante, evolui como jogadora e tenho presentes os bons momentos que vivi. Mas a ter que escolher um, refiro o Algés por ter sido aquele em que estive mais tempo (13 anos) e no qual fiz a minha formação desportiva. Comecei no ballet, fiz natação e ginástica desportiva. Só depois descobri o basquetebol. E que anos bons eu passei a representar aquele clube!!
Hélder - Sporting Club de Portugal, porque foi o clube onde passei mais anos e onde ganhei mais títulos
Quais foram os principais títulos que conquistaram?
Teresa – A nível de clube, tenho 4 títulos de Campeã Nacional de Seniores Femininos (82/83, 84/85, 85/86, 88/89), por 6 vezes venci a Taça de Portugal (81/82, 82/83, 84/85, 85/86, 86/87, 88/89 e uma vez venci a Supertaça. Tive 2 participações na Taça Liliana Ronchetti. A nível de selecção, participei na fase de qualificação do Campeonato Europeu Cadetes Femininos em Zaragoça 79/80, na fase de qualificação do Campeonato Europeu de Juniores Femininos em Zamora- 80/81 (onde fui Melhor Marcadora do Torneio), na fase de qualificação do Campeonato Europeu de Seniores Femininos Lisboa - 85/86 (onde fui eleita para o CINCO IDEAL), na fase de qualificação do Campeonato Europeu de Seniores Femininos na Alemanha-86/87 (onde fui Melhor Marcadora do Torneio), na fase de qualificação do Campeonato Europeu de Seniores Femininos na Áustria - 88/89 (onde fui Melhor Marcadora do Torneio) e na fase de qualificação do Campeonato Europeu de Seniores Femininos na Áustria - 90/91. Representei a selecção Nacional - 45 vezes.
Hélder - 4 Finais da Taça de Portugal, 2 vezes Vencedor da Taça de Portugal e 4 vezes Campeão Nacional Seniores Masculinos. A NIVEL DE SELECÇÃO – 3 internacionalizações.
Houve alguma vez interesse por parte de clubes estrangeiros na vossa contratação? Quais?
Teresa – Sim, falou-se nisso. Chegaram até a sair umas notícias no jornal. Mas comigo nunca ninguém falou. Estes rumores apareceram depois de uns jogos, em que o Algés realizou no norte de Espanha, em Lugo e Vigo. Eu fiz uns bons jogos e o treinador de uma das equipas espanholas “Xuncas de Lugo” revelou interesse em contratar-me. Mas nada se chegou a concretizar.
Hélder – Não. Como jogador mediano que eu acho que era, nunca recebi nenhum convite para jogar fora.
Que jogadores(as) da vossa época mais gostavam de ter na vossa equipa?
Teresa – Eu tive o privilégio de jogar numa das melhores equipas nacionais e com as melhores jogadoras da minha época e quando havia alguma que não pertencia à minha equipa, jogava com ela na selecção.
Hélder – Na minha época, com o devido respeito por todos, tive a honra e o privilégio de jogar em equipas onde pontificavam jogadores como Mário Albuquerque, Nelson Serra, Quim Neves, Rui Pinheiro, Manuel Sobreiro, Carlos Sousa, Encarnação, Augusto Baganha, Leonel Santos, José Paiva, Carlos Lisboa, Santiago, Henrique Vieira, José Luís, Artur Leiria, João Seiça, Rui Miranda.
Qual foi o adversário(a) mais difícil de defrontar enquanto jogadores?
Teresa – Foi o CIF. Para além de ser o clube com o qual durante a minha carreira mais jogos realizei, era com o CIF que na maioria das vezes o Algés disputava o 1º lugar. Por outro lado, no CIF estavam muitas jogadoras que andavam comigo na escola e que me conheciam muito bem, pois eram 2 clubes de Lisboa situados relativamente próximos. O Algés x CIF era sempre um derby lisboeta, o que tornava muito pesado e por vezes hostil, o ambiente.
Hélder – Foram vários e em épocas diferentes: O Porto, o Barreirense, o Sangalhos e o Benfica pela qualidade de jogadores, trabalhos dos seus treinadores e pelo ambiente que se criava à volta.
Qual foi o treinador que mais vos marcou? Porquê?
Teresa – Não tive muitos treinadores, ao longo dos 14 anos que joguei basquetebol, entre clubes e selecções, não tive mais de 10. Mais uma vez me sinto privilegiada, por poder afirmar que com todos eles aprendi muitas coisas. No entanto, tenho de referir dois:
Alexandre Correia foi o meu primeiro treinador no Algés. Soube transmitir-me o gosto pelo basquetebol e ensinou-me que o trabalho, o rigor e a persistência são valores fundamentais para vingar em qualquer actividade. Foi meu treinador em Juvenis, tinha eu 14 anos e depois em Sénior, quando já tinha uns 18 anos. Gostei imenso de trabalhar com ele.
Eliseu Beja, conheci-o primeiro como treinador de uma equipa adversária. Arranjava sempre forma de dificultar o trabalho da minha equipa e em particular o meu. Arranjava umas defesas esquisitas e difíceis de ultrapassar e os jogos com o CDUL, eram sempre estranhos. A minha equipa acabava por ganhar, mas os jogos eram sempre muito complicados. Talvez tenha sido esta, uma das razões, porque os dirigentes do Algés, o contrataram para ser o treinador da equipa sénior do Algés, onde militavam então as melhores jogadoras nacionais. Com ele aprendi quase tudo do basquetebol que sei hoje. Mas para além de me treinar, ensinou-me a pensar, ensinou-me a questionar e a decidir que opção tomar. Vai ficar para sempre na minha memória, como um homem interessado, estudioso, dedicado, super organizado, que foi para mim um exemplo, de como se deve estar no basquetebol.
Hélder – Beneficiei do trabalho de vários. João Morais, por ser o primeiro, que com rigor e disciplina me ensinou os primeiros passos. Alexandre Franco foi extraordinário, com ele ouvi pela primeira vez (1972/1973) o conceito de defesa HxH com ajudas. Marcaram-me ainda, pois com todos eles aprendi muito, Hermínio Barreto, pelo enriquecimento da técnica individual de cada jogador e pela abordagem ao jogo de uma forma técnica e táctica verdadeiramente cativante, Adriano Baganha pelo rigor técnico e táctico ofensivo e defensivo que colocava no trabalho das suas equipas e José Curado pelo rigor e seriedade que sempre impôs no seu trabalho.
De que jogo que nunca se vão esquecer?
Teresa – Nunca mais me vou esquecer de um jogo de uma eliminatória da Taça de Portugal, disputado nos Açores. O pavilhão estava cheio, havia um barulho ensurdecedor de gritos, tambores e buzinas a que não estávamos habituadas. Mal se ouvia o apito dos árbitros. O clube dos Açores não era da 1ª divisão, mas apesar da diferença de valor entre as duas equipas, o jogo tornou-se difícil e chegámos ao final dos 40 minutos empatados. Fomos para o prolongamento com um ambiente tremendo e uma pressão enorme. Elas não tinham nada a perder e nós não podíamos perder. Quase no final do prolongamento, o resultado continuava empatado e eu em cima do apito final, lancei e a bola entrou no cesto, conseguindo 3 pontos de vantagem para a minha equipa, que conseguiu a passagem à eliminatória seguinte.
Hélder – Do jogo do 1º titulo de Campeão Nacional pelo Sporting Club de Portugal – 13 de Maio de 1978, num sábado às 17:00 no velho pavilhão do Liceu da Figueira da Foz. Tinha então 22 anos.
Enquanto Treinadores
Quais foram os clubes onde trabalharam como treinadores?
Teresa – SAD – Algés; ADCEDC – Diogo Cão (Vila Real); UDO – Oliveirense, CNRM e Rio Maior Basquete (Rio Maior)
Hélder – Sporting Club de Portugal, CREA - Estrelas da Avenida, ADCEDC – Diogo Cão (Vila Real); UDO – Oliveirense, CNRM e Rio Maior Basquete (Rio Maior).
Em todos os clubes por onde passaram, deixaram sempre uma formação bem estruturada e com muitos atletas. Qual é a formula para conseguirem este feito?
Teresa e Hélder – Muito trabalho e dedicação, mas o que consideramos mais importante é o valor que damos à formação do jovem jogador. Respeitamos o tempo de aprendizagem dos atletas. Não temos pressa de ganhar. Trabalhamos muito os fundamentos, por vezes perdemo-nos no trabalho sem bola (mas os miúdos hoje chegam para jogar basquete e não sabem correr, não sabem parar, não se equilibram). Os pormenores são outra coisa que nos encantam e acabam por fazer a diferença.
Procuramos sempre fazer uma articulação vertical e sequencial dos conteúdos que são abordados nos diversos escalões. Os jogadores para além de pertencerem a uma equipa por causa do seu escalão etário, podem fazer a sua aprendizagem, consoante o seu nível de jogo, treinando e jogando noutras equipas do clube. Esta forma de estar no clube, transmite a atletas e treinadores uma atitude de trabalho para um fim comum – a formação de um jogador.
Qual foi o momento mais inesquecível enquanto treinadores?
Teresa e Hélder – Temos tido vários momentos que nos enchem de orgulho. Mas o mais inesquecível será talvez quando olhamos para trás e pensamos no trabalho realizado na ADC da Escola Diogo Cão. Em 1989, em Vila Real, quando na escola começamos a trabalhar com o basquetebol, tínhamos um grupo equipa de infantis (10 11 anos) do Desporto Escolar, treinávamos uma vez por semana, ao sábado de manhã. Passados doze anos, o clube tinha mais de cem atletas (145 atletas mais precisamente) e 12 treinadores, a maioria jogadores de escalões mais velhos, orientados por nós, com equipas de ambos os sexos, em todos os escalões. Nestes doze anos, vencemos vários títulos regionais que nos deram acesso a participar em provas nacionais. Conseguimos atingir algumas fases finais de Taças Nacionais. Após termos saído de Vila Real, sentimos enorme orgulho, de saber que o clube continua com a mesma vitalidade. Os actuais corpos dirigentes e treinadores são antigos jogadores que continuam a desenvolver um trabalho sério e com qualidade na formação, pois para além de continuarem com um número grande de atletas, tem conseguido títulos nacionais.
Outro momento igualmente inesquecível foi a nossa passagem por Oliveira de Azeméis, na União Desportiva Oliveirense, contribuindo para um projecto local onde o Basquetebol tinha uma grande força. A nossa colaboração estendeu-se a vários níveis: ajuda na estruturação da secção de basquetebol, apoio aos treinadores que trabalhavam no clube, através de reuniões semanais de coordenação técnica, e orientação de equipas.
Gostam mais de trabalhar na formação ou com Seniores? Porquê?
Teresa e Hélder – Gostamos sobretudo de trabalhar em basquetebol. Em projectos aliciantes e com boas condições de trabalho. Mas não é isto que tem acontecido, tirando o projecto da Oliveirense, a grande maioria das vezes temos trabalhado ao ar livre ou em pavilhões com 2 tabelas. Talvez seja por as dificuldades terem sido sempre muitas, que damos mais valor ao nosso trabalho e temos muito orgulho no que fazemos. Sonhamos ainda um dia, quem sabe, não fazer mais nada do que basquetebol.
O que acham do estado do basquetebol em Portugal?
Teresa e Hélder – Achamos que deveríamos parar para reflectir. Neste momento há sem dúvida mais treinadores informados e mais informação disponível do que há vinte anos atrás, mas nem por isso, a quantidade e a qualidade dos praticantes existentes hoje em dia, acompanhou proporcionalmente essa mudança. O ensino do basquetebol está como o ensino na escola, resume-se aos que têm a sorte de no seu percurso encontrarem treinadores/professores competentes, rigorosos, que dão importância aos detalhes. E assim o basquetebol vai evoluindo, aqui e acolá, por este país fora, aos soluços, de uma forma pouco estruturada em termos de objectivos. Exemplo do que estamos a dizer, é observar o potencial que nestes três últimos anos nos foi apresentado nas festas do Basquetebol Juvenil, que se têm realizado em Portimão. O Potencial existe. Mas porque demora tanto tempo a aparecer e a afirmar-se nas nossas equipas de topo??
Enquanto Família
Ajuda ou não ter ao vosso lado uma pessoa com a mesma doença – o basquetebol?
Teresa e Hélder – Não sabemos o que é “não ter ao nosso lado uma pessoa com a mesma doença”, porque foi sempre assim que vivemos. No entanto, pensamos que ajuda, pois ao menos partilhamos as horas passadas nos pavilhões, os longos kilometros que fazemos nas deslocações para os jogos, e não nos queixamos dos fins de semana repletos de jogos, em que o descanso começa habitualmente a partir das 18:00 de domingo.
A vossa filha também joga basquetebol. Encontram nela algumas das vossas qualidades? Quais?
Teresa e Hélder - A Mariana ainda é pequenina, tem 10 anos, é o primeiro ano de sub-12. Antes detestava o basquetebol, pois era uma “seca” passar a vida nos pavilhões. Agora que já treina regularmente e participa nas concentrações de minibasquete, já gosta muito. É muito competitiva. Como é alta e se mexe bastante bem, tem tido algum sucesso, gosta de aprender e é trabalhadora.
Basquetebol em casa, basquetebol no trabalho, basquetebol com a filha. Nunca se cansam de tanto basquetebol?
Teresa e Hélder – Resta-nos pouco tempo para pensar que estamos cansados. A adrenalina corre lá em casa: durante o dia é o trabalho na escola, a meio da tarde é o apoio ao estudo da Mariana, ao final da tarde são os treinos dos minis e dos sub-16 femininos e sub-16 masculinos e à noite é a preparação do dia seguinte (das aulas e dos treinos). Por volta das 01:00 caímos na cama estoirados e gozamos do sono merecido, aproveitando para descansar. É uma forma de estar na vida, “retribuindo hoje aos outros, o que outros há uns anos atrás da mesma forma, nos deram a nós”.
O que vos deu o basquetebol?
Teresa – Deu-me muita coisa. Muita alegria, experiencias maravilhosas, mas sobretudo o que me deu para vida foi “A FORMA DE ESTAR”, de viver com os bons e o os maus momentos, de ser capaz de pensar o que fazer para ultrapassar as dificuldades, de ser persistente. Digo às vezes na brincadeira, que se não tivesse ido para o basquetebol e tivesse feito apenas o percurso escolar que a maioria das crianças faz, não seria de certeza a mesma pessoa que sou hoje. Ah , quase que me esquecia,… para além disso deu-me um marido espectacular, que por ter tido um percurso muito parecido com o meu, também tem uma forma de estar na vida que eu aprecio muito.
Hélder – Muita coisa: Deu-me a possibilidade de conhecer um jogo e me divertir com os desafios que me apresentava individual e colectivamente, de conhecer muitas pessoas que me transmitiram e ensinaram muito de basquetebol e da forma de estar na vida, de construir amizades, de conhecer novos países, de conhecer a minha esposa, companheira de mais de 20 anos, partilhando muita coisa, nem sempre de acordo, o que é normal, mas faz parte do outro jogo … o da vida!
Podia viver sem basquetebol?
Podia, mas não era a mesma coisa.
Que mensagem gostariam de deixar aos leitores do Planeta Basket:
Teresa e Hélder – Leiam com atenção os artigos publicados pois tem histórias de vida e mensagens de grande qualidade que contribuem para fazer a história do nosso basquetebol.
Divulguem aos vossos amigos e partilhem experiências, para que o “Planeta Basket” continue em órbita por muitos e muitos anos!
Comentários
"É uma forma de estar na vida, “retribuindo hoje aos outros, o que outros há uns anos atrás da mesma forma, nos deram a nós”. Dito assim parece fácil. Comporta, certamente, muitos sacrifícios e frustações. Também muita alegria e realização. Revela a riqueza de espírito de quem o afirma.
Hélder e Teresa ao Poder! ;)
Desde já parabéns pela excelente entrevista e a partilha da vossa vida feito de sucesso no basquetebol português. De enaltecer também a dedicação total a esta modalidade que nos envolve a todos. Foi com grande alegria e respeito que os reencontrei após 18 anos. Excelente tributo que lhes foi feito a vocês e um bem haja para a vossa vida pessoal e profissional.
Cumprimentos
Ricardo Bila (Albufeira)
Foi um prazer ver-vos aqui.
Disseram-me hoje mesmo para ir a este sítio da Net, porque havia lá "malta" conhecida... e realmente há e muita!
Gostei, gostei mesmo da entrevista.
Parabéns e Felicidades.
Dêm notícias.
Fico à espera, Dédinho
1 abração do Amigo de Sempre,
Léo
Obrigado pela entrevista! Faço parte da familia da Diogo Cão e é com enorme prazer que leio estas palavras de duas pessoas que eu considero os meus segundos pais e que ajudaram a construir a pessoa que sou hoje. Para mim são uns herois e felicito o PB por os descobrir. Continuem assim e mostrem os outros herois escondidos que andam pelo pais a ensinaram a "doença". Abraço Chico
parabéns pela entrevista e a aproveito a oportunidade para agradeço terem-me possibilitado trabalhar convosco, aprendendo e alargando perspectivas e um pouco da forma de estar de que tanto falam nesta entrevista. Felicidades para vós (Hélder, Teresa e Mariana). Abraço Filipe Cabral