Sempre disse às sucessivas gerações que treinavam, e que em jovens sonhavam ser jogadores de basquetebol, que alguns iriam jogar até aos seniores, outros jogariam alguns anos nos seniores, mas muito poucos jogariam para além dos 30 anos, mas havia algo que poderia
e iria durar para o resto das suas vidas, como amizades feitas no interior das suas equipas e dos seus clubes. Agora que a ampulheta da minha vida já existe, seguramente, mais areia em baixo do que em cima, cada vez dou mais importância às palavras do discurso de despedida do treinador do Greg Popovich, e reconheço, que o melhor que o basquetebol me deu foram as amizades as pessoas admiráveis que me deu a conhecer.
Uma das amizades importantes que o basquetebol me deu foi o Fernando Lemos, que nos anos 90 do século passado, benevolamente se ofereceu para, durante quatro anos, ser meu treinador adjunto, quando eu treinei no Queluz a geração nascida em 1981.
Foi há mais de um ano que o Fernando Lemos me chamou para dar um treino de lançamento, à sua equipa, o GDD-Alcoitão. Foi esse treino que desenvolveu o meu artigo “Lições de vida, queixas-te de quê?” 23 de janeiro de 2024; e foi nesse treino que eu conheci uma pessoa que desde o primeiro momento me marcou, o Hugo Maia. No artigo mencionado escrevi: "Se a captura é algo que preocupa quem está no minibásquete, imaginem a dificuldade no setor de cadeira de rodas da nossa modalidade. Na apresentação dos dez jogadores presentes percebeu que o Maia, jogador da nossa seleção nacional de cadeiras de rodas, e o capitão da equipe tinha um papel decisivo, pois vários jogadores presentes tinham sido influenciados para a prática pelo Maia."
Mais recentemente e fruto da amizade que me liga ao Fernando Lemos resolve ir assistir ao quarto jogo da final da Liga BCR. Foi no pavilhão de Alvide, com poucos lugares para a assistência, mas completamente cheio, que vi um excelente jogo. Jogo intenso e com a equipe de Gaia, comandado por esse extraordinário jogador que é o Pedro Bártolo, a nunca se dar por vencida, até os últimos instantes.
No rescaldo do título conquistado pelo GDD-Alcoitão e em convívio com o Fernando Lemos quis saber mais da vida de Hugo Maia, da sua força interior e da sua capacidade de motivar pessoas para a prática. As conversas que tive com ambos ficaram com a sensação nítida, que a chave do seu sucesso reside na empatia, que através da sua entrega, da sua espera, do seu exemplo, ele consegue transmitir às pessoas que abordam.
A deficiência do Maia não foi congénita, foi adquirida e, saber o que foi uma vida e ter de se adaptar a uma nova realidade é indubitavelmente duma dureza incomensurável.
Foi em 1996, quando o Hugo Maia tinha 17 anos, e por estar demasiado próximo do limite da plataforma na estação de Queluz Belas que foi sugado para debaixo do comboio. Ficou em coma quatro dias e meio e uma semana em risco de não sobreviver. Após duas cirurgias e 5 meses no Hospital de São José iniciou uma reabilitação física e adaptação às próteses, primeiro e durante um mês no Hospital dos Capuchos e posteriormente 10 meses e meio no Centro de Reabilitação de Alcoitão.
Na época de 1997/98 iniciou-se na modalidade na APD-Sintra, mas o Maia não se ficou pela prática, pelo seu sentido humano e pelos benefícios, que sentiu que a prática lhe trazia, logo quis influenciar mais pessoas. Como ele escreve no email que me amavelmente me invejoso: “Estou de qualquer forma sempre alerta às redes sociais e aos perfis de pessoas com deficiências que me surgem e mesmo às pessoas com quem me cruzo na rua, no sentido de sensibilizá-las, as pessoas, com mobilidade reduzida ou as suas famílias, para os benefícios físicos, psicológicos e socias da prática desportiva e o impacto e as mudanças positivas que daí poderão advir.”
Esta dimensão humana e de forte preocupação social já levou cerca de 15 pessoas à prática da modalidade e, 7 dos atletas atuais da sua equipe foram captados por Hugo Maia e formados no seu atual clube, o GDD-Alcoitão.
Em anexo pode-se ler o extenso currículo quer como atleta, quer como dirigente de várias associações.
Certamente que teremos um mundo melhor, se muitos seguirem o exemplo de superação pessoal (capacidade de se reinventar?) e preocupação social (de ter a ambição contínua e renovada, mesmo após os triunfos, de evoluir e compartilhar a sua paixão pelo jogo com mais pessoas com deficiência motora), demonstrada por Hugo Maia.
Finalizo como comecei e que não me canso de dizer que o melhor que o basquetebol me deu foram amigos e conhecer pessoas formidáveis como o Hugo Maia.