A formação em Espanha e EUA

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BasquetebolOs próximos artigos irão ser uma reflexão sobre os modelos de formação das duas maiores potências do basquetebol mundial.

A razão pela qual escolhi o tema dos modelos de formação norte-americanos e espanhóis deve-se ao facto de, por um lado ser inquestionável a qualidade, cultura, dimensão e sucesso destes dois países, e por outro, eu ter e estar a trabalhar dentro destes dois modelos de formação. Com estes dois artigos pretendo dar a conhecer alguns aspetos de ambos os modelos, confrontá-los e num terceiro artigo dar as minhas conclusões sobre o que de bom podemos refletir para o melhoramento do nosso basquetebol de formação (existem outros modelos de sucesso como o Australiano, Canadiano, entre outros).

Modelo Norte-Americano

Estando ligado ao basquetebol, a NBA sempre foi uma referência enquanto jogador, alimentando o sonho de um dia poder jogar lá, rapidamente esse sonho foi quebrado por duas razões. Primeiro aos 17 anos ganhei consciência que nunca teria a qualidade para o fazer e a segunda razão foi o facto de aos 18 sentir que o meu trajeto na modalidade não seria como jogador mas sim como treinador.

Sendo assim em 2006 um dos meus objetivos de vida tornou-se realidade, poder aprender e ensinar a modalidade nos Estados Unidos a convite de um antigo jogador do Belenenses, Chad Wilkerson, que se tinha tornado o treinador principal da academia cristã de High Point.

A minha experiência durante duas épocas na Carolina do Norte foram as mais importantes na minha formação como treinador e pessoa, nem que fosse pelo facto da cultura e tradição da modalidade tratar a profissão de treinador com respeito, mérito e saber qual a importância do mesmo no enquadramento desportivo e social.

Os Estados Unidos é um pais enorme, não só em termos de território como em termos de população, e o desporto sempre foi um dos vértices da sua cultura e sociedade, mas o mais caricato é que o tempo da prática da modalidade em termos oficiais, nos escalões de formação são apenas pouco mais de 5 meses, ou seja, enquanto os europeus treinam 9 meses (ou por vezes mais) por ano, os norte-americanos pegam no ano escolar e dividem-no em vários momentos desportivos, por exemplo (poderá mudar alguns desportos de estado para estado):

Este tipo de organização desportiva irá fazer com que um atleta possa participar e praticar vários desportos durante o ano letivo, dando-lhe mais valias em termos físicos, táticos e técnicos. Ninguém pode contestar que um atleta que faça futebol, basquetebol e atletismo não sai beneficiado em termos Psico-motores.

Claro que esta apresentação acima referida leva-nos para a velha (embora pessoalmente sou um grande defensor desta linha de pensamento) discussão de implementar o desporto de formação só e exclusivamente nas escolas, e quando falo em desporto de formação falo apenas ate ao escalão de sub-18, visto que o escalão de sub-20 possa ser enquadrado nas estruturas séniores. Sou um grande defensor desta linha de pensamento pelas seguintes razões:

Nos Estados Unidos não se procura saber qual é a melhor equipa nacional em qualquer escalão de formação, e a razão é porque simplesmente a quantidade de jogos é de tal modo que, por um lado não existe tempo, e por outro prefere-se jogar muito em detrimento de saber quem é o melhor dos melhores. Mas mais impressionante são os números que se seguem:

Dados U.S.A. Basketball

Perante estes números podemos dizer que são perfeitamente naturais devido ao facto de que a população americana situar-se nos 308 milhões de habitantes, mas vamos olhar para a realidade portuguesa:

Dados Ministério da Educação

Estes números estão bastante longe dos números que neste momento existem em Portugal em termos de jogadores federados que se situa em 25.550.  Com isto não pretendo dizer que não existam fatores negativos na implementação do desporto de formação apenas nas escolas, mas claramente existem muitas mais vantagens do que o sistema federativo.

Vejamos o distrito de Lisboa, conta com 1.137 estabelecimentos de ensino, mesmo que consideremos apenas metade deste número, 568 escolas, estaríamos a falar de 568 equipas (escolas), se cada escola possuísse 6 equipas (sub-14, sub-16 e sub-18 masculino e feminino, sendo cada uma delas constituída por 10 jogadores) estaríamos a falar de 34.080 jogadores neste distrito versus os 2.792 da atualidade.

Gostaria de fazer o mesmo exercício com o distrito com o menor número de praticantes do país, Bragança. Este distrito tem 83 estabelecimentos de ensino, fazendo o mesmo raciocínio e olhando só para 40 escolas, se cada uma delas possuir 6 equipas com 10 jogadores cada equipa, estaríamos a falar de 2.400 atletas contra os 154 atletas que possui neste momento.

Concluindo esta parte do artigo, o que iria acontecer é que só em Lisboa teriam-se que fazer várias divisões com várias equipas, ou seja, em Lisboa possivelmente faziam-se mais jogos em qualquer escalão do que o número que se realiza neste momento no país todo.

Pegando em vários artigos de San Payo Araújo sobre a problemática do número de praticantes em Portugal versus o número de praticantes em Espanha,  quando afirma que necessitamos urgentemente de alargar e muito a base para que possamos poder começar a pensar em produzir talentos de modo a que a modalidade se torne atrativa para jovens, treinadores, árbitros e todos os intervenientes, porque não ir diretamente à “fonte” (escolas)? Claramente está-se a perder a batalha de tentar levar a “fonte” ao clube.

O modelo americano, por muitas lacunas que possa ter e certamente tem, tem uma grande mais valia no seguinte, além de levar o desporto para a escola, onde ele deverá estar, faz com que a comunidade da própria escola se envolva à volta da mesma, e como eu próprio senti, temos avós e pais a ver os jogos dos seus filhos e netos, colegas e professores porque todos sentem que são parte daquela equipa, existe uma cumplicidade e pavilhões cheios (mais uma vez a força da comunidade que já referi no meu artigo “Prática informal desportiva”).

Outra das mais valias deste modelo, e devo admitir muito inteligente, é o facto de como são organizados os jogos, ou seja, imaginemos que a equipa A vai receber a Equipa B, sendo assim, nessa tarde a Equipa A de sub-14 feminino joga contra a Equipa B de Sub-14 feminino, seguindo-se os sub-16 (ambos os sexos) e os sub-18 (ambos os sexos), isto que dizer que numa tarde todos os jogos entre a equipa A e B em todos os escalões são realizados, fazendo desaparecer as imensas viagens em todas as direções que os clubes todos os fins de semana têm que fazer para escalões diferentes, reúne-se um grande número de pessoas no mesmo pavilhão e acreditem, o ambiente que se cria é simplesmente fantástico, poupa-se muito dinheiro e quem ganha é a modalidade, será que algo do tipo não se poderia pensar e implementar em Portugal, visto que iniciados e cadetes são escalões que quase todos os clubes possuem?

Para terminar o modelo americano queria referir a arbitragem, que, para não variar, é também organizada de uma forma muito inteligente. Primeiro é eliminado a mesa de jogo, ou seja, dois pais (ou representantes das equipas) fazem cada um uma folha de jogo, para não haver enganos, pois assim terão que estar em sintonia, e um representante do pavilhão controla o marcador, este custo menor que se deixa de ter com a mesa de jogo faz com que todos os jogos de formação sejam dirigidos por 3 árbitros. Os 3 árbitros são constituídos por 2 árbitros veteranos e 1 mais jovem, sendo que estes árbitros veteranos, são obrigados a dirigir jogos de formação depois de acabarem a sua carreira, ou seja, imagine-se que a carreira de árbitro acaba aos 60, eles terão que arbitrar formação até aos 65 (varia de estado para estado). Árbitros veteranos, mais pedagógicos que podem ter outro tipo de influência junto a jovens atletas.

Nenhuma destas reflexões que fiz acima poderão ter qualquer impacto sem vontade política que infelizmente continua a resistir ao tempo, enquanto os políticos não olharem para o desporto de forma transversal e perceberem que o desporto para todos (idades e géneros) tem os seguintes impactos:

Tendo em conta o aumento de praticantes na ultima década no basquetebol, que foi de 10.204 para 25.550 praticantes, deveremos reflectir sobre o trabalho da Federação Portuguesa de Voleibol que regista um aumento de 9,813 para 40.090 praticantes na mesma década (dados do INE).

Este texto está redigido segundo o novo acordo ortográfico

 

 
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