Lição de vida

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altSou chamado a prestar um pequeno depoimento sobre o Prof. Carlos Teigas, que possa contribuir para acrescentar algo ao que outros companheiros sobre ele dirão.

Quem é Carlos Teigas, o que significa no basquetebol português, nomeadamente na área da formação de jogadores, é algo que é bem conhecido por quem por quem acompanhou, por dentro, as últimas décadas do nosso basquetebol jovem.

Paradoxalmente, (ou não?) será um nome desconhecido para muitos que acompanham a nossa modalidade mais à distância, ou que a ela chegaram mais recentemente.

Isto porque Carlos Teigas é um caso paradigmático do pouco reconhecimento a que são votados aqueles que trabalham, duramente, fora do alcance dos holofotes, e daí, criam os nossos maiores jogadores.

Carlos Teigas foi sempre aí que esteve e sempre quis estar, recolhido nos bastidores, e penso que só aí se sentia bem. Pouco apareceu, mas apareceram, ao mais alto nível, muitos dos jogadores que passaram pelas suas equipas.

Mas estas são das tais coisas que outros companheiros sabem tão bem como eu e podem testemunhar.

Que poderei eu acrescentar, então?

Talvez algo sobre como o Carlos, (passo a tratá-lo assim, porque é do amigo, colega, companheiro, que passo a falar) entrou neste mundo do Basquetebol.

Andávamos ambos no Liceu Nacional de Santarém- Liceu Sá da Bandeira- onde começámos a jogar nos campeonatos escolares, em equipas treinadas pelo Prof. Prista Caetano.

O Carlos era mais jovem que eu, que vim para a INEF dois anos antes dele.

altFoi quando o nosso Prof Prista Caetano decidiu passar-me a “bola” de treinador da equipa onde o Carlos jogava. Portanto ele foi um dos meus primeiros jogadores, e eu dos seus primeiros “treinadores”. Aí, ainda muito imaturo, percebi rapidamente que estava ali um jovem de enorme seriedade no “trabalho”, de extrema sobriedade e que gostava muito daquele jogo. Além do mais, para o meio, era muito bom jogador!

O salto das equipas escolares para as federadas da Associação Académica de Santarém foi um pulinho e aí fomos companheiros de equipa ao longo de vários anos.

Pelo meio, passei a “treinador” dessa equipa e o Carlos voltou a ser “meu jogador”, antecipando épocas em que dividimos, por nós dois, a tarefa de dirigir a equipa, sempre num clima de extrema amizade e cooperação, atributos a que a formação e carácter do Carlos obrigavam.

Vivemos, ao longo desses anos, uma riquíssima experiência verdadeiramente desportiva, de alto nível. De alto nível? Estranharão!

Não falo de rendimento, falo de valores: de espírito de equipa, de desportivismo, de camaradagem, de sentido associativo.

Falo de um grupo de amigos feitos na vivência daquela equipa, que pagavam para jogar; que se deslocavam numa camioneta velha, acompanhados de um saco de sandes de ovomexido, e de um garrafão de cinco litros de vinho (??????!!!!! –éramos de Santarém, não esqueçam); que mais tarde, já radicados em Lisboa faziam recrutamento de jogadores por consenso entre os membros da equipa; que, mais crescidos, se deslocavam em pequenos carros próprios, (dividindo a gasolina); que acantonavam em sacos cama, em jornadas duplas, que, brincando, faziam muitas coisas sérias.

Têm estas historietas alguma importância para terem direito a prelo?

Para mim, sim. Porque é neste caldo de educação para a cidadania desportiva, que se cozinha aquilo de que falo.

Falo, em suma, de uma “escola” que criava condições para, quem tinha aptidão para tal, aprender o necessário para ser, não um atleta de alta competição, mas um cidadão de alta formação. E foi assim com o Carlos. E foi, também, assim, que se formou o grande professor e enorme treinador, em ambas as actividades o educador por excelência.

Reencontrámo-nos no Sport Algés e Dafundo, anos mais tarde, então já treinadores sem aspas. Muito aprendi nesse clube, onde o Carlos (conjuntamente com Jorge Adelino) era uma trave mestra, o verdadeiro guia daquela secção. Não por nomeação, mas por uma autoridade que, de forma discreta, natural e persistente, a todos nós se impunha. Sobretudo pela competência, pelo exemplo!

Está já retirado, o nosso treinador. Mas o que fez dele o grande treinador e cidadão não se retirou. Permanece inteiro no nosso Carlos que persiste em ganhar grandes competições.

O que quero deixar aos jovens treinadores que tiverem a paciência de me lerem, é o estímulo para se inspirarem no exemplo do Prof. Carlos Teigas (e em alguns outros, não muitos, da sua dimensão).

O que quero deixar ao veterano Carlos, meu “velho” amigo, é o meu muito obrigado pela lição de vida.

 

 
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