O Gentleman do Basquetebol

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Vicente CostaÉ com imenso prazer que aceito o desafio que me foi lançado pelo amigo San Payo Araújo, para elaborar um depoimento sobre a relação entre Vicente Costa (VC) e o Basquetebol. Desculpar-me-ão se enquadrar o meu testemunho numa relação de Amizade,

que proporcionada pela modalidade se prolongou desde 1960 até ao seu falecimento.

Os primeiros contactos que tive com VC, tiveram lugar no decorrer da época de 1956-57,em jogos do Campeonato Regional de Lisboa disputados no Pavilhão dos Desportos (hoje Pavilhão Carlos Lopes), então eu com 16 anos, no 1º ano como praticante sénior do Algés (após autorização para o efeito da Direcção Geral dos Desporto, na medida em que a idade de sénior só se iniciava aos 18 anos...) e o VC já como praticante de renome no Técnico (quatro jogos seguidos a começarem às 20.00 horas e a  terminarem depois das 24.00 h.... ).VC distinguia-se, como "base", pela sua clarividência, leitura de jogo e comportamento exemplar. Nos momentos que antecediam o início dos diferentes jogos, era possível estabelecer curtos diálogos com os adversários, já que os intervenientes se sentavam lado a lado sem constrangimentos... O "já consagrado " tinha a paciência de aturar o "maçarico" e com ele estabelecer "conversas" sobre o jogo, que para este, bem úteis lhe seriam no futuro.

Em Dezembro de 1957, o facto de ambos termos sido selecionados pelo Prof. Teotónio Lima para fazermos parte da seleção nacional que iria disputar a 27 desse mês, em Casablanca, um jogo com a seleção de Marrocos (vitória de Portugal por 50-47, com 26 pontos do saudoso Bernardo Leite... ), e a circunstância de uma atribulada viagem de comboio-avião entre Lisboa-Madrid-Casablanca, juntamente com José Alberto (então praticante do Tabacos e depois praticante de excelência no Benfica), proporcionou um avanço significativo no nosso relacionamento mútuo.


SN Portugal

A Equipa de Portugal, que venceu a seleção de Marrocos em Casablanca

EM CIMA: José Vicente, Bernardo Leite, José Alberto, Carlos Gonçalves, Eduardo Nunes e Manuel Ferreira.

EM BAIXO: Prof. Teotónio Lima, Assau (motorista), José Macedo, José Valente, Manuel Campos e Vicente Costa


Nas épocas de 1960-61 e 61-62, VC passa a ser o meu treinador no CDUL e temos então oportunidade de aprofundarmos o nosso relacionamento. Acompanho os seus primeiros passos na carreira de Treinador e registo a sua preocupação em formar uma equipa que fosse algo mais que juntar um conjunto de jogadores provenientes de clubes diversos, como Académica, Barreirense, Algés, Técnico...

Em 1966, VC regressa à sua Angola natal, para a convite de Henrique Miranda, então Presidente do Sport Luanda e Benfica, (ex-colunista de Basquetebol em A Bola e anos mais tarde Presidente do Clube Atlético de Queluz e impulsionador chave da construção do seu Pavilhão desportivo), assumir o cargo de treinador da equipa de Basquetebol, que na época de 1966-67 viria a ser campeã provincial e nacional. Entre 1967 e 1972, com VC enquanto treinador e eu como Diretor Técnico Provincial da modalidade, estabelecem-se relações de estreita Amizade que se estendem às respetivas famílias. Registo que VC, com uma postura sempre elegante e dialogante, se recusa a envolver em questiúnculas indesejáveis, discussões estéreis e, pelo contrário, apresenta as suas ideias e propostas para o desenvolvimento do Basquetebol em Angola, envolvendo a formação de treinadores, o desenvolvimento das Associações Regionais, e simultaneamente o seu desejo em "saber mais", como "treinar melhor", aprofundar o relacionamento treinador-jogadores, manifestando sempre disponibilidade para partilhar com os "outros" os seus conhecimentos, tal como as suas "inquietações" e "frustrações" sobre a modalidade. Entre 1972 e 1975, VC assume a lecionação da cadeira de Basquetebol na Escola de Instrutores de Educação Física de Luanda e nessa qualidade, tem a oportunidade de transmitir o seu saber e dedicação à modalidade, junto dos seus alunos deixando neles uma marca indelével de competência que perdurará ao longo dos anos.

A modalidade em Angola deve-lhe (tal como a Manuel Campos, outra figura do Basquetebol que ali deixou obra relevante) um preito de homenagem pelo legado ali deixado. Outros que tiveram a oportunidade de com ele conviver e aprender, deram continuidade ao seu trabalho e através de caminhos próprios, tornaram-se responsáveis pelo sucesso do País em diferentes e sucessivas competições internacionais da modalidade.

Regressado a Portugal em 1975, VC ingressa na Direcção Geral dos Desportos. Simultaneamente, tem a oportunidade de exercer funções de treinador de diferentes clubes (Algés, Barreirense...) e simultaneamente ir frequentando diferentes Cursos de Formação de Treinadores organizados pela FPB, que lhe proporcionam uma valorização inequívoca dos seus conhecimentos em diferente áreas da modalidade.

Quando atinge a idade da reforma, VC passa a prestar colaboração na FPB, em apoio á sua organização e funcionamento o que lhe proporciona uma série de contactos com diversos agentes da modalidade (Associações Distritais, dirigentes, treinadores, juízes...), que com o decorrer dos anos viriam a manifestar o seu reconhecimento e admiração pelo trabalho por si desenvolvido na FPB.

VC possuía então uma bagagem de conhecimentos e experiências, consolidadas ao longo de dezenas de anos, que o tornavam um Homem do Basquetebol, ou se preferirem um "Gentleman do Basquetebol". Alguém que pela palavra, atitudes e comportamentos, agia como um "encantador de serpentes", capaz de "tocar" os outros, de os "mobilizar", alguém que aglutinava, que promovia a concórdia, que entendia a importância do "outro", logo rejeitando a intriga, a inveja, a mesquinhez.

Nos últimos anos da sua Vida, VC era um participante activo em diferentes "tertúlias" da modalidade (e respetivos convívios gastronómicos...), onde a sua presença era relevada e apreciados os seus comentários e testemunhos. Para ele, tais "reuniões" representavam uma outra forma de continuar "por dentro " da modalidade, de se sentir bem junto de, quem como ele, exaltavam e respeitavam a Amizade mútua que o Basquetebol a todos tinha proporcionado.

O seu falecimento, no passado dia 4 de Agosto, representa iniludivelmente uma perda para a família, amigos e também para o Basquetebol nacional. Formulo votos para que os testemunhos ora recolhidos pelo Planeta Basket sirvam de detonador para a devida e merecida homenagem ao VC por toda a comunidade do Basquetebol nacional, já que em Vida não foi possível concretizá-la. Justa para o VC. Sem dúvida. Mas necessária também para o Basquetebol, como testemunho de valorização dos seus melhores, apresentando-os como referências às novas e futuras gerações.


 

Comentários 

 
+4 #1 Humberto Gomes 04-11-2021 12:45
Um eloquente testemunho de quem (Salvé prof., Carlos Gonçalbes, do "nosso amigo do Algarve", : expressão que carinhosamente me dedicava) que, como poucos, tem chegado ao Saber, percorrendo o Ser e o Sentir - adaptado (o seu a seu dono) de mestre - porque sábio ! - António Damásio -. Numa palavra : Sublime !
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