Brinquei muito na rua
 
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Brinquei muito na rua

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Brinquei muito na ruaÉ habitual ouvirmos dizer que o minibásquete é o futuro, o que não deixa de ser curioso porque na maioria dos casos entregamos o futuro a treinadores inexperientes. Deixamos o futuro nas mãos da inexperiência, Contudo já o mencionei diversas vezes, há por esse país fora e felizmente muitas exceções, maioritariamente treinadoras.

Uma dessas exceções é a Paula Seabra, pelo que consideramos de elevado interesse ouvir quem há muitos anos se dedica à formação, nomeadamente ao minibásquete.


1. Quando começou a tua paixão pelo basquetebol?
Numa troca de escola por opção de área de estudos vim parar ao Colégio de Calvão onde nesse mesmo ano 2 treinadores (Paulo Silva e António Veleirinho) iniciaram o Clube de Basquetebol. Nas turmas do ano em que eu estava fizeram uma pequena captação e lá fui experimentar. Sempre fui atlética, brinquei muito na rua, pois felizmente a minha morada o permitia. Muito espaço para correr atrás da bola, inventar com os meus amigos miniolimpiadas, aventuras pela floresta, enfim...o potencial físico já lá estava. O que se seguiu foi o adquirir das competências inerentes ao basquetebol. Comecei a praticar com 16 anos de idade e a jogar federado com 17. Tarde diriam alguns, mas no meu entendimento foi bastante a tempo. O que fizera antes já era competir, já era praticar desporto. Sem formalismos claro, mas a brincar também se aprende...e muito.

2. Em que momento da tua vida percebeste o teu gosto pelo treino e pelo ensino do jogo aos mais novos?
A paixão foi imediata, não conseguia já viver sem. Os meus treinadores propuseram-me ajudar nos escalões mais novos e apenas com 2/3 anos de prática já treinava e acompanhava as equipas de Berinjinhas(nome pelo qual éramos apelidadas pela cor bordeaux do equipamento de jogo).

Sempre tentei passar a minha experiência para as equipas onde trabalhei. A brincar adquirem-se competências importantes para a vida. Resolução de conflitos, desenvolvimento da motricidade, entre muitas outras. Então porque não se pode aprender a jogar basquetebol brincando...? Foi então assim que sempre gostei das idades mais tenras para ensinar a modalidade, onde os atletas são mais genuínos, mais dispostos para brincar, e por consequência, aprender!

3. O que te motiva a estar de certa forma sempre ligada aos escalões mais novos, nomeadamente ao minibásquete?
Como disse anteriormente, não tive oportunidade enquanto jogadora, de participar nesses escalões, comecei tarde. Então sempre treinei o minibasquete como se eu também fosse atleta, e como gostaria que o treino e a competição se desenrolassem. Não de uma forma muito semelhante ao jogo formal dos seniores, mas sim com aprendizagens ligadas ao lúdico, ao brincar e ao entusiasmo característico destas idades. Eu fi-lo, e joguei liga feminina mais de 10 anos.  Porque não podem os minis fazê-lo. Porque existe tanta pressa em igualar a competição pelos diferentes escalões? Existem outras formas de tornar os nossos minis excelentes atletas. Muitas vezes ainda dou por mim a participar no treino, não como treinadora, mas como atleta que, entusiasmada, vê a competição de forma muito seria e exigente, mas gosta de brincar e precisa de o fazer para aprender.

4. No minibásquete antes do ensino da modalidade há uma etapa muito importante, muitas vezes menorizada, mas que é decisiva para o crescimento da modalidade que é a captação? Que investimentos ou linhas orientadoras poderiam ser sugeridas para a captação e posterior fidelização das crianças que vem experimentar jogar minibásquete?
Todos os Clubes onde estive como treinadora liderei os processos de captação. Não vou mentir, é difícil captar crianças na atualidade. Há mais solicitações, mais atividades. Mesmo assim ainda há tanta criança que não pratica qualquer atividade, e mesmo assim a cultura existente não facilita esta descoberta. As políticas públicas do nosso País não se movem nesse sentido, pois os poucos que somos, apresentamos resultados que chegam para os nossos decisores. No meu entender, os municípios, que são os principais patrocinadores dos clubes, demitem-se das suas funções. A atribuição dos subsídios deveria ter como contrapartida, "obrigar" os clubes a abrir portas e sair da sua infraestrutura, dar a mão à comunidade envolvente. O dinheiro público que lhes é atribuído deveria reverter em prol de todos, e poderia passar pela organização de ligas de rua, torneios nas escolas, nas catequeses, nos escuteiros, entre outros. Os Clubes recebem subsídios da receita pública, mas só esta abrangido por esse dinheiro quem se inscreve, paga mensalidade e treina dentro da porta. Se queremos mais e melhor temos de sair da nossa quinta e plantar para depois colher.

5. Sabemos que é uma pergunta sensível, mas fala-nos dos jovens jogadores(as), que tu captaste, ensinaste e influenciaste que mais te marcaram?
Todos os atletas com quem trabalhei me marcaram. é assim mesmo. Qualquer treinador que dê como eu dou e exija como eu exijo fica marcado. Pelo bem e pelo mal. Confesso que ainda lido mal com as desistências. Fico sempre a sentir que é por minha causa. E se calhar até é, mas sou muito verdadeira e acredito muito no que faço. Pois só assim posso continuar. Na rua encontro muitas meninas, mulheres, mães com quem partilhei épocas. Sabe bem os beijinhos e abraços, e sabe mal os olhares para o lado. É como tudo.  Mas vou partilhar uma história, que ficou na minha memória e apenas a nomeio por não ser daqui. Há mais de 17/18 anos fui a Cabo Verde Realizar um CampusBasket com crianças de 10/13 anos que nunca tinham tido contacto com o basquetebol. A realidade na altura era outra. O Campus chamava-se Rodrigo Mascarenhas. Lá estivemos 11 dias em Santiago e Sal, demos formação de treinadores e ensinamos basquetebol a cerca de 40 Atletas que puderam experimentar a modalidade. Anos passados, no final de um jogo, fui abordada por um jogador do FC Porto que se lembrou de mim e me agradeceu a oportunidade que teve em Cabo-Verde, pois o basquetebol mudou a sua vida. O Keven Gomes ainda joga no Futebol Clube do Porto e graças a esta modalidade fantástica conseguiu para ele e família uma vida muito diferente daquela que teria tido. Claro que nos toca, que nos emociona pois quando estás a ensinar uma criança nem sempre nos apercebemos de como os podemos contagiar. O Ivan Almeida, que joga no SL Benfica também foi atleta pequenino nesse campus. Por isso, cada vez mais acredito que a captação deve existir para proporcionar aos jovens experiências diferenciadas, pois nunca se sabe qual delas orientará o seu futuro.

6. No teu percurso na modalidade quer como jogadora, e posteriormente como treinadora, quem foram os treinadores que mais te marcaram ou influenciaram?
Fácil... Paulo Silva, Isabel Ribeiro dos Santos, Alberto Saraiva, Carmen Lheveras e San Payo Araújo. Cresci a ouvir estes mentores e a retirar deles o pedacinho para juntar e construir o meu pensamento. Quem os conhece sabe das pessoas sérias, verdadeiras, exigentes e trabalhadoras que são. Durante muitos anos organizamos aberturas de época em Calvão durante 1 semana, onde estavam presentes estes senhores e senhoras. Ouvia e não falava. Cada conversa era uma formação. Foram para mim estágios de nível 1,2,3,4,5... Tive o privilégio de contracenar com eles e aprender muito. Anos mais tarde surge um senhor que vem falar sobre aprender minibasquete a brincar, era o que eu tanto acreditava, mas nunca tinha ouvido ninguém a falar disto. Acompanhei o maior número de formações do San Payo e adorava todas. Ainda agora posso falar com a maior parte destes mentores, basta pegar no telemóvel. Isso é um verdadeiro privilégio.

7. Quer como jogadora, quer como treinadora quais foram as tuas maiores tristezas e alegrias?
Penso que como qualquer jogadora, as maiores tristezas foram as lesões. Tive muitas e algumas graves. Ainda hoje sofro perante as lesões das atletas que trabalham comigo. As alegrias são as amizades, as viagens, a família. Ganhei alguns campeonatos e taças, mas quero contar aos meus filhos e já nem me lembro de quando e do que são. Vivi as épocas que joguei de uma forma muito intensa, e sem telemóvel para documentar. Esses momentos só me deram força para querer partilhá-los com os outros dentro das 4 linhas.

8. Como vês o atual momento do basquetebol de formação a nível da região de Aveiro e a nível nacional? Tens alguma sugestão que de algum modo pudesse melhorar o crescimento e desenvolvimento do basquetebol na formação?
Partilho o que já disse nesta entrevista. Os poucos que somos até fazemos muito. E para quem decide, os resultados que aparecem chegam. Passamos a vida a queixar da sorte, mas depois somos muito pouco ambiciosos. Logo não se faz mais, nem diferente, nem melhor.

A formação em Aveiro está melhor em termos de organização e trabalho no geral. Mas somos ainda muito pequeninos, e sem vontade de crescer. O basquetebol é uma modalidade com potencial de afirmação. Tem infraestruturas e recursos humanos capazes, para suportar um projeto nacional ambicioso. Tal não acontece. Na maioria das vezes penso que nem existe essa ambição.

Aveiro pode progredir para campeonatos por geração. Deixarmos de colecionar campeonatos assentes num mercado de transferências sem regulação nem escrúpulos, e trabalhar de forma estruturada de S16 para baixo. Equipas por ano de nascimento e trabalhar com os clubes de forma a atingir essa meta.  Outra melhoria passaria pela aposta na profissionalização do treinador. Minorar a atribuição de uma equipa a um treinador, e aumentar as equipas que passam pelo treinador X que é profissional no clube. Por último, regular o mercado de transferências na formação. Sei que é um assunto delicado, mas tem de ser regulado de uma vez por todas. Como não entendemos que o facto de o clube vizinho estar melhor, só nos vai melhorar também? Que vai trazer mais competitividade e melhorar a formação naquela associação? Como podem os selecionadores distritais e nacionais serem os que mais intervêm neste mercado e se mostram exemplos desta falta de visão?

9. Da tua experiência que mensagem darias aos jovens treinadores que começam a treinar minibásquete?
Uma mensagem que normalmente não gostam de ouvir. O facto de lhes ser atribuída uma nota no final de curso não indica que já são treinadores fantásticos. Devem ouvir e procurar quem cá anda há algum tempo. Parem e observem quem mostra os verdadeiros sinais de sabedoria, não os que ganham mais, mas sim os que insistem. Conheço muitos treinadores bons que nem curso têm, bastou-lhes observar e assistir as pessoas certas.

10. Finalmente uma pergunta que gosto de fazer no final das entrevistas, que pergunta gostarias que te fosse feita e que resposta darias?
Vais continuar a treinar e ligada ao minibasquete?  Sim...sempre!

 

 


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