Conversámos com Sérgio Scariolo, Seleccionador Nacional Espanhol e treinador do BC Khimki, da Rússia. Aos 49 anos, este homem foi treinador do Scavolini Pesaro, Virtus Bologna, Tau Vitória, Real Madrid, Unicaja Málaga e BC Khimki Moscovo.
Como nos disse durante a conversa telefónica feita a partir do Aeroporto de Moscovo, enquanto esperava o avião para o trazer até Espanha, onde disputou mais uma jornada da Euroliga, confessou-nos que a sua família, mulher e filhos, o tem acompanhado para todos os países onde tem trabalhado, algo de fundamental para manter o seu equilíbrio.
Bom dia, Coach Scariolo. Tens muitos seguidores em Portugal que querem saber o que conheces do basquetebol português?
É preciso ter conhecimento do que vai acontecendo em todos os países, e como é normal estarem por aí treinadores espanhóis, como o Moncho e o Manolo Povea, que são também meus amigos, eu sigo o trabalho deles, sobretudo. Existem também alguns jogadores que estiveram em Espanha, claro, mas como a Selecção se qualifica poucas vezes para as grandes competições, nem há nenhuma equipa portuguesa na Euroliga, é difícil seguir a evolução do basquetebol português.
Os teus primeiros anos como treinador foram passados em equipas dos escalões de formação e como adjunto. Foi um período importante para a carreira que tens vindo a desenvolver?
Sim, foi muito importante. É necessário um período de aprendizagem sólido, de maneira a que possas conhecer tudo sobre o jogo. Na verdade, trabalhei com grandes treinadores enquanto adjunto e aproveitei o tempo nas equipas jovens para testar aquilo que estava aprender.
Estreaste-te como treinador aos 29 anos, no Scavolini Pesaro, e nessa mesma época, num jogo a contar para o Open McDonald, levaste um jogo com os NY Knicks até ao prolongamento. Na altura, tinhas a noção de que estavas tão perto de fazer história?
Isso foi há 20 anos, nessa altura não havia qualquer aspiração, da parte das equipas europeias, de competir, e muito menos vencer, num jogo contra uma equipa da NBA. Não era como é agora. Por exemplo, em 2007, quando estava no Unicaja, ganhámos aos Memphis Grizzlies, que é uma coisa que agora é possível, acontece mais vezes, as equipas pensam nessa possibilidade. Há 20 anos era muito diferente, fazer o que fizemos era realmente inacreditável. Sentimos, quando o jogo acabou, que aquilo não voltaria a repetir-se tão depressa. E na verdade, foram precisos alguns anos para voltar a acontecer algo semelhante.
Foste campeão em Itália, levaste o Scavolini até finais europeias, mas depois, ao chegares a Espanha, sentiste que terias um trabalho extra para provares as tuas qualidades num país diferente?
Sim, claro. Quando mudas de país tens que mostrar trabalho, aconteceu-me quando mudei da Itália para Espanha e também da Espanha para a Rússia. Todos esperam que consigas mostrar que és capaz vencer num novo país. E, na verdade, todos os países são diferentes, na forma de jogar, na forma como as pessoas rodeiam as equipas, na vida social, a própria língua influencia essas mudanças. Tens que ajustar aquilo que conheces, mantendo, é claro, sempre a crença nas coisas que são fundamentais, não deves abdicar dos teus princípios. Deves analisar a situação e fazer as mudanças necessárias, e tudo num curto período de tempo.
Estiveste no Real Madrid, um grande clube europeu, com imensa atenção mediática e adeptos em todo o lado. Como é trabalhar num clube assim?
Na verdade, no Real Madrid, independentemente do nível do basquetebol que se joga, espera-se sempre que a equipa esteja no topo. A pressão é sempre máxima. Foi uma grande experiência pessoal. Quando treinas uma equipa como o Real Madrid durante três anos, ficas muito mais forte e sentes-te capaz de aguentar tudo. Na Europa, o Real Madrid é o lugar onde se está mais à prova, perante uma pressão imensa, não há igual. Aprendi em Madrid o que é enfrentar um desafio desses.
Foste campeão em Madrid e, mais tarde, em Málaga, com o Unicaja. Quais foram as diferenças?
Com o Unicaja ganhei a primeira Taça da equipa, a primeira Liga ACB da equipa, atingimos a primeira Final Four europeia. Tudo isso é muito especial. Já me acontecera algo parecido com o Scavolini Pesaro. As pessoas esperam durante muitos anos para ter bons resultados e, quando isso acontece, há uma alegria enorme, o que torna o acontecimento realmente especial.
Como analisas a carreira do BC Khimki esta época?
Estamos a melhorar. . Nota-se no trabalho dos jogadores que estamos mais fortes. Fomos à Eurocup há duas épocas, este ano qualificamo-nos pela segunda vez para a Euroliga. Também fomos à final da Liga Russa, na temporada passada, agora somos primeiros classificados, estamos em boa posição na Liga VTB, onde queremos atingir a Final Four. Na Euroliga, queremos entrar no Top 16. É verdade que, neste caso, estamos um pouco abaixo daquilo que esperávamos, mas trabalhamos para atingir o objectivo.
Quais são as principais dificuldades que um treinador de uma selecção tem que enfrentar?
Estar na selecção é um trabalho muito diferente. O tempo com os jogadores é bastante limitado e vives sempre na incerteza de que jogadores da NBA estarão disponíveis para jogar na selecção. Isso é um verdadeiro problema para o nosso planeamento, ter que esperar até ao último momento para saber. Depois, temos apenas um mês antes da competição para nos prepararmos e esse tempo é insuficiente para que a equipa adquira processos de jogo mecanizados. É mesmo um contra-relógio.
Achas que a Espanha é o principal favorito à vitória no Euro 2011?
A Lituânia joga em casa, depois de ter sido uma das melhores equipas europeias no Mundial. Eles têm uma equipa muito forte e vão querer vencer. Portanto, não acredito que tenhamos quaisquer facilidades. A Sérvia, a Croácia, a Rússia, todos estão muito fortes. A Espanha está no grupo dos favoritos, mas não no topo desse grupo.
O Ricky Rubio foi muito criticado pelas suas exibições no Mundial e no início desta época. O que achas que está a acontecer com ele?
O Ricky é um jovem. É verdade que não está no seu melhor momento, mas voltará depressa ao seu nível, não estou nada preocupado com isso. As pessoas pensavam que ele era um jogador infalível, por aquilo que demonstrou, mas é preciso ter paciência. Na evolução de um jovem, damos dois passos à frente e um atrás. Depois, três passos à frente e mais um atrás. É esse o processo normal, tal como está a acontecer com o Ricky Rubio.
Qual foi o melhor jogador com quem tiveste a oportunidade de trabalhar?
Seria injusto nomear apenas um jogador. Lembro-me de muitos nas várias equipas que treinei. Diria que há um grupo de jogadores muito importantes que já estiveram comigo em várias equipas, Carlos Delfino, Jorge Garbajosa, Marcus Brown, Sasha Djordjevic, são realmente muitos e eu não sou capaz de me decidir por um desses jogadores.
És considerado um treinador muito criativo. Nos nossos dias, o que te parece mais importante: continuar a tentar inovar nas formas de jogar colectivas ou será que o trabalho dos treinadores, ao mais alto nível, é sobretudo uma gestão das características e do estado mental dos jogadores que tem à sua disposição?
Temos que dar atenção aos dois aspectos, quem melhor o conseguir, fará a diferença. É muito importante fazer um trabalho individual, que motive e retire o melhor de cada jogador. Mas as equipas têm que ser fortes nos seus processos. Quem conseguir um melhor equilíbrio entre esses dois aspectos, será quem estará melhor na hora de entrar em campo.
Qual é a importância que dás a sites como o Planeta Basket no desenvolvimento do basquetebol?
É muito importante existir esse tipo de trabalho, sobretudo para os jovens. Eles querem ter informação e adquirir mais conhecimentos sobre o jogo. É isso que os sites podem fazer. Difundir análises e ajudar à aprendizagem de cada um. Considero-o um trabalho fundamental.
Tens demonstrado preocupações na formação de jovens jogadores, isso é algo que tem estado no teu pensamento?
Sim, a forma como as crianças são ensinadas a jogar definirá o nível do basquetebol no futuro. É muito importante que a formação tenha como princípio ensinar os jovens a jogar, mais do que se preocupar com os resultados das competições em que estão inseridos.
Para terminar, fala-nos um pouco do teu trabalho à frente da Fundação Cesare Scariolo?
Foi uma iniciativa que decidi criar em nome do meu pai. O objectivo é ajudar crianças que sofrem de leucemia e as suas famílias, criando actividades que permitam recolher fundos que depois são aplicados em hospitais, onde se faz o acompanhamento dos doentes. É importante que os doentes tenham melhores condições de vida e assim, ajudamos as famílias, permitindo melhores condições físicas e habitacionais durante a doença e os tratamentos, para além de proporcionarmos ajuda psicológica e social. Queremos também permitir que essa recolha de fundos possa levar a mais investigação científica na área da leucemia.