No desenvolvimento da ideia de que o jogo na ACB é um bom retrato do que o basquetebol é na actualidade, ficou reforçada a minha convicção de que a defesa é realmente o motor do desenvolvimento do jogo.
Por diversas razões, hoje não tenho dúvidas em pensar assim. Num (grande) clinic realizado há mais de 10 anos atrás pela Associação Europeia de Treinadores de Basquetebol, no antigo pavilhão Carlos Lopes, ouvi Hubbie Brown dizer que “o ataque vende bilhetes e a defesa ganha jogos”. A frase pareceu-me interessante, na linha do que mais tarde ouvi Luis Magalhães afirmar que “o ataque ganha um jogo, mas a defesa campeonatos”. A oportunidade de estar perto da equipa dos Estudiantes e participar como observador nos jogos em que estive, fez-me não só recordar estas expressões, como perceber que na evolução do jogo, a defesa tem um papel ainda mais importante do que a simples (mas tão fundamental na nossa vida de treinadores) questão de ser determinante nas vitórias dos jogos ou dos campeonatos. Parece-me que toda a evolução do basquetebol tem andado a reboque do nível a que a qualidade defensiva das equipas e dos jogadores vai conseguindo chegar. Afirmo isto por duas razões:
- Primeiro, porque a qualidade ofensiva dos jogadores só é posta à prova quando tem pela frente elevadas exigências defensivas. Só confrontados com tais exigências os jogadores são obrigados a encontrar novas soluções: aumenta a velocidade de execução, o tempo de reacção, a pressão para marcar e diminui a tolerância ao erro. Os jogadores têm que trabalhar mais, estar preparados de forma mais exigente se quiserem produzir respostas de maior qualidade.
- Segundo, porque a qualidade defensiva das equipas obriga o ataque a ser mais colectivo, a utilizar o tempo com maior disciplina táctica, a seleccionar lançamentos de forma mais capaz e a tentar outras soluções para evitar o 5x5. Nestas circunstâncias o contra-ataque aparece igualmente como uma arma decisiva. Porque este é fundamental para negar situações de 5x5 e porque ele só é capaz de ser expresso como modelo de jogo de uma equipa, quando essa equipa assenta o seu jogo numa sólida qualidade defensiva.
O ataque se não for contrariado acomoda-se. Naturalmente vai-se acomodando ao sucesso que os seus argumentos possuem. Se a defesa não aparecer como um factor de ruptura do nível do jogo, o jogo não evolui. Parece-me ser assim desde o início do ensino do jogo aos mais jovens até ao necessário apuramento da eficácia dos movimentos colectivos ao alto nível. Esta parece-me uma característica muito evidente que o basquetebol da ACB tem na sua essência. Defende-se muito e parece-me que bem, com jogadores totalmente empenhados e disponíveis para assumir as suas responsabilidades defensivas. É possível ver jogos com resultados abaixo dos 60 pontos, muitos casos com ambas as equipas a marcar menos de 70 pontos, sem que o jogo perca qualidade e emoção. As grandes marcas são a forte pressão na bola quase sempre estendida em campo todo; uma aposta muito clara na pressão das linhas de passe, principalmente na negação à mudança de lado da bola e ao passe interior; uma reacção pronta aos diversos sinais do jogo – a prontidão na passagem nos bloqueios directos, tempos de ajuda e recuperação atempados e uma luta grande pelas bolas perdidas e ressaltos – uma tentativa permanente para pressionar lançamentos, com autênticas perseguições aos lançadores nas saídas de bloqueios ou com trocas defensivas de recurso que impedem fáceis recepções para tiro. Perante uma defesa tão exigente, e para que o jogo resulte num evento de assinalável qualidade, é porque a qualidade dos argumentos ofensivos são também abundantes. E é neste diálogo que os jogos se vão sucedendo.
Importar os valores da defesa para o nosso basquetebol, julgo que poderia resultar num determinante aspecto para a evolução do nosso jogo. Não uma forma de estar na defesa que estrategicamente aposte no demérito do ataque. Esta é importante, não nego a sua importância. Mas parece-me que a defesa que cada vez mais importa privilegiar, é aquela que é uma fonte de pressão permanente para o ataque, diminuindo-lhe o tempo para pensar e o espaço para jogar. Esta última forma de defender é a que só com muito trabalho se consegue construir, não lhe basta ter estratégia, é preciso ter físico, reacção, espírito de luta e agressividade. Quando estes fundamentos estão presentes, a estratégia vai refinar a qualidade da defesa e oferecer-lhe maiores condições de sucesso. Parece-me mais esta forma de estar na defesa, aquela que vi as equipas interpretarem nos vários jogos que tive a felicidade de assistir.