Desenvolver no jogador de Basquetebol o conhecimento do jogo, no que à táctica individual e colectiva diz respeito, e, paralelamente apetrechá-lo de fundamentos, parece ser uma balança difícil de equilibrar.
No Clinic de Treinadores integrado na Festa do Basquetebol Juvenil, 3 ideias chave foram transmitidas pelos seleccionadores nacionais, reafirmando a importância de regressar aos fundamentos:
• Mário Palma explanou a ideia, no seu entender perdida, de que a repetição é necessária e sem ela as aprendizagens não são consistentes atrasando a construção de hábitos e recursos para poder praticar Basquetebol ao mais alto nível;
• Em complemento Ricardo Vasconcelos reforçou a sua convicção de que jogar Basquetebol significa tomar decisões e para que as mesmas possam conduzir a um padrão de jogo qualitativamente superior importa haver suporte básico ao nível da técnica e táctica individual, bem como do desenvolvimento físico-atlético;
• Mário Gomes partilhou a necessidade de melhorar o trabalho de pés ofensivo e defensivo nos nossos jogadores; o lançamento (nomeadamente após drible) e capacidade de passar para jogadores em posições interiores ou em movimento; e a táctica individual ofensiva com e sem bola.
Na reflexão que me era exigido fazer, enquanto treinador de formação, relativamente a estas mensagens uma enorme angústia se apoderou dos meus pensamentos na medida em que estas preocupações não são novas, há muito que têm vindo a ser fomentadas nos cursos de treinadores, mas, têm vindo a ser asfixiadas por factores que, em alguns casos, assumem uma dimensão global que se estende a outras áreas da vida humana. A nossa sociedade fomenta a aquisição de bons hábitos, de persistência, dedicação, compromisso?
As minhas preocupações não procuram desculpar quem eventualmente não exerce as suas funções pedagógicas de acordo com os objectivos preconizados para a formação desportiva. A existirem treinadores obcessivamente preocupados com os resultados presentes e a promoção pessoal do seu trabalho, apelo para que reflictam e corrijam o propósito da sua intervenção. Mas não é essa a minha preocupação neste artigo.
Em muitos clubes deste país, alguns em regiões onde o Basquetebol não tem a visibilidade e a expressão de outros centros, existe uma acentuada preocupação em trabalhar os fundamentos em coerência com um objectivo primordial: preparar os atletas para que no futuro possam possuir ferramentas para vir a integrar um Centro de Alto Rendimento, Selecções Nacionais ou clubes de referência. Nesses clubes verificamos que a existência de boas condições espaciais e materiais de trabalho, associadas a uma elevadíssima qualidade do corpo técnico, contrasta com constrangimentos estruturais de suporte que fragilizam o trabalho efectuado no campo. Em cenários desta natureza parece-me importante reflectir. Carecerá o clube de fundamentos para manter a sua sustentabilidade? A carência de fundamentos estará apenas associado às questões técnicas e tácticas?
Se olharmos para a realidade norte-americana, de onde vem a expressão Fundamentals, verificamos que as preocupações dos treinadores assentam numa estrutura, toda ela orientada para que os praticantes cresçam e se preparem, com fundamentos apropriados para a vida futura. E essa estrutura concebe futuro a todos os níveis – desportivo, académico e profissional. Em Portugal e em muitos países europeus a estrutura do clube cada vez parece mais fragilizada, sobrevivendo projectos com história e visibilidade na modalidade e definhando projectos que, embora tecnicamente bem enquadrados, carecem de força na sua gestão e sustentabilidade.
Um outro aspecto associado à questão dos fundamentos prende-se com o conhecimento do jogo. Que percentagens do total dos nossos praticantes a partir dos sub-16 iniciam o caminho para a especialização conhecendo o jogo de Basquetebol? E refiro-me não apenas na sua vertente táctica, mas no que se refere às imagens e modelos que um atleta possui para aprender vendo ou imitando. Essa aprendizagem, que o futebol possui em quantidades industriais, constitui a base para que o treinador, através da sua filosofia, da sua capacidade de ensinar e do seu programa de desenvolvimento, possa desenvolver o seu trabalho.
Daí que se torna importante conhecer em profundidade como se trabalha nos nossos clubes, que estrutura possuem, valorizando em determinados contextos, verdadeiros “milagres” qualitativos no que à preparação de jogadores diz respeito.
O fenómeno desportivo está em mudança e o Basquetebol não foge à regra, neste momento parece-me importante muita reflexão entre treinadores e a valorização de boas práticas. O futuro terá de passar pelo fortalecimento do conceito de clube, pela sua extensão ao conceito de clube escolar – escola de referência numa modalidade – e pela obrigatoriedade de existência de programa de trabalho onde no papel, mesmo “manso”, e no campo com bravura, sejam visíveis preocupações reais com os fundamentos. A esta necessidade que se promova uma estratégia nacional que torne novamente apetecível ver Basquetebol. Não podemos continuar a aceitar que, tendo à nossa disposição meios para que o basquetebol seja visto com a maior das facilidades, tenhamos cada vez menos gente a ver e a conhecer o jogo.
De qualquer forma será sempre importante não esquecer a importância dos fundamentos. Mesmo sem condições, mas com enorme vontade será do treinador que terá de partir o verdadeiro exemplo, pensar no amanhã e apetrechar cada atleta de fundamentos, de ferramentas que lhe permitam contribuir para a melhoria da qualidade das equipas e do jogo praticado. Esperança e perseverança precisam-se!
Comentários
O mundo dos iluminados continua e assim não vamos dar o passo em frente.