Foi à procura das origens do minibásquete em Portugal, que o Planeta Basket foi falar com o Prof. Dr. Carlos Gonçalves, para darmos início à nossa iniciativa de celebrar os 50 anos de minibásquete em Portugal.
Temos o privilégio e a honra de poder apresentar, o depoimento do presidente honorário do “European Fair-Play Movement” e responsável pela primeira apresentação oficial do minibásquete em Portugal Continental. Venha conhecer as origens do minibásquete.
Como, onde e quando surgiu o minibasquete na metrópole, como dantes se designava o que é hoje o território continental de Portugal?
A primeira apresentação oficial do minibasquete na Metrópole teve lugar em Maio de 1966, integrada num festival de iniciação desportiva realizado no Colégio Militar (C.M.) com a responsabilidade pela sua organização a cargo do Prof. Mário Lemos.
Desse Festival, presidido pelo subsecretário de Estado da Juventude e Desportos e com a presença do Director do C.M., General Campos Andrada, do INEF, Prof Noronha Feio, e do Presidente da Federação Portuguesa de Basquetebol, Albano Fernandes, constaram, para além da exibição de minibasquete, provas de atletismo e uma exibição da classe de ginástica do C.M. (11-12 anos) dirigida pelo Prof. Dario Fernandes.
A nós, competiu-nos a “operacionalização” da referida exibição, no âmbito das tarefas inerentes ao cumprimento do nosso estágio pedagógico.
A exibição foi antecedida por uma explicação sobre o que era o minibasquete, os seus objectivos e o envolvimento do Colégio Militar na sua apresentação.
As equipas eram constituídas cada uma por 10 jovens do 2º e 3º anos do C.M., sendo os “árbitros”, dois jovens do 5º e 6º anos.
De realçar o facto de ter sido dirigido um convite ao Instituto de Odivelas para participar na exibição, possibilitando assim a constituição de equipas mistas, como desejava o Prof. Mário Lemos. Não foi possível, na altura, a concretização desta presença, mas as “portas” ficaram abertas para a organização posterior de uma exibição conjunta…
Sabemos que foi o Prof. que introduziu o minibasquete em Angola. Quer dizer-nos em que ano foi e quais os problemas de tutela da actividade que existiram nessa época?
O primeiro Torneio Aberto de minibasquete em Angola, teve lugar em Luanda em 1968, com a participação de 24 equipas, 240 jovens dos 8 aos 12 anos, de ambos os sexos em representação de clubes, escolas e de uma rua… a de Massangano.
A iniciativa sob a égide da Associação Provincial de Basquetebol de Angola, foi organizada por nós no cumprimento do Plano de Acção inerente à função de Director Técnico Provincial (1967-1970).
O Festival de encerramento deste primeiro Torneio decorreu no estádio do Sport Luanda e B, no dia 27 de Janeiro de 1969. Outros Torneios/Convívios, se sucederam periodicamente com crescente adesão dos jovens, clubes, escolas, clubes de bairro e Associações distritais de Basquetebol. Torneios da mesma índole repetiram-se nos anos seguintes nas províncias do Huambo, Bié, Huila, Malange e Moçâmedes.
Simultaneamente foram sendo realizados, nas mesmas províncias cursos de monitores de minibasquete e árbitros, designados por “Amigos”, segundo a terminologia internacional. De referir que em todos os Torneios/Convívios organizados em Angola, os monitores das respectivas equipas e os árbitros (“Amigos”) eram jovens de ambos os sexos até aos 17 anos… pelo que os respectivos cursos eram destinados a este escalão etário.
Uma palavra de recordação e muito apreço pelo trabalho desenvolvido na implantação do minibasquete em Angola, e particularmente em Luanda, por Fernando Simões, na ocasião técnico de basquetebol do F. C. Vila Clotilde.
Em Setembro de 1969, o presidente da Associação Provincial de Basquetebol, Cap. Alfredo Moura, apresentou no Congresso da Federação Portuguesa de Basquetebol uma proposta a ser discutida no Congresso de 1970, no sentido da oficialização da prática do minibasquete e da criação de um organismo dependente da Federação Portuguesa de basquetebol responsável pela estruturação, direcção e fomento daquela prática.
Em Junho de 1970 é criado em Angola, o núcleo de Minibasquete da Associação Provincial de Basquetebol, sendo ainda no mesmo ano criados núcleos distritais nas Associações Distritais de Basquetebol de Huambo, Huila e Bié.
A criação em 1970, da Escola de Instrutores de Educação Física de Luanda, possibilitou a organização de cursos de monitores de minibasquete, em colaboração com a Associação Provincial de Basquetebol e de “colóquios” sobre a modalidade.
A principal dificuldade para a implementação do minibasquete em Angola, envolvendo equipas abertas de clubes e escolas e colégios, oficiais e privados, e com preocupações pedagógicas bem definidas, derivou do facto das actividades de educação física e do desporto nas escolas, depender em Angola, como em todo o território nacional, da responsabilidade da organização da Mocidade Portuguesa.
Contudo, uma reunião entre o Comissariado da M. P. o presidente do Conselho Provincial de Educação Física de Angola e o presidente da Associação Provincial de Basquetebol, permitiu desbloquear a situação e permitir a participação de equipas escolares nos Torneios/Convívios de minibasquete.
A própria Mocidade Portuguesa viria a editar ela própria, para distribuição nas Escolas, o desdobrável sobre minibasquete elaborado pela Associação Provincial…
Muitas pessoas consideram o Prof. Mária Lemos o pai do Minibasquete em Portugal. Como o conheceu muito bem quer falar-nos sobre a concepção que Mário Lemos tinha desta actividade?
Considero os Profs. Mário Lemos e Eduardo Nunes os “verdadeiros pais” da introdução do minibasquete na metrópole, tal como Cremildo Pereira o foi em Moçambique.
O minibasquete, idealizado nos Estados Unidos em 1950, viria a ser introduzido na Europa, em Espanha, em 1962.
Desde então, Mário Lemos, debruçou-se cuidadosamente sobre o estudo do minibasquete. Estabelece relações privilegiadas com o técnico Prof. René Lavergne, responsável pelo minibasquete na Federação Francesa de Basquetebol e com Anselmo Martin então vice-presidente da Federação Espanhola de Basquetebol e que viria a ser presidente do Comité Internacional de Minibasquete.
Juntamente com René Lavergne, com quem viria a fazer parte de uma Comissão do Comité Internacional de Minibasquete, Mário Lemos “aperfeiçoou” as ideias originais do minibasquete, defendendo desde a primeira hora, algumas preocupações pedagógicas básicas:
- Teria de se atribuir um significado próprio ao termo minibasquete, diferenciando-o do minibasquetebol… aquele não teria como objectivo prioritário a formação de jogadores de basquetebol, ainda que admitindo e desejando, que muitos praticantes de minibasquete prosseguissem a sua prática desportiva enquanto praticantes de basquetebol, mas sim a utilização do minibasquete como um “instrumento” privilegiado para a formação dos jovens, para a aquisição de valores e princípios, para a sua integração social…
- Os Torneios/Convívios a organizar as equipas deveriam ser prioritariamente mistas, em especial no escalão 8-10 anos…
- Os Torneios/Convívios deveriam ser abertos à participação de equipas representativas de Escolas, Clubes, organizações de juventude, bairros, ruas, etc… sob a orientação de jovens monitores (até aos 18 anos) e de jovens árbitros (Amigos)…
- O modelo organizativo dos Torneios/Convívios deveria ser específico e naturalmente diferente do adoptado para os adultos…
- A formação dos jovens monitores e árbitros deveria merecer uma atenção acrescida e ser objecto de conteúdos e regulamentação própria…
Estamos convictos que estas “preocupações” foram, de uma forma ou outra, adoptadas por todos quantos em todo o território nacional, foram responsáveis pela introdução e desenvolvimento da actividade no nosso País.
Em Portugal continental como se desenvolveu o minibasquete nas duas maiores cidades do País, Lisboa e Porto?
A minha deslocação para Angola em serviço profissional em Outubro de 1967 e permanência até Agosto de 1972, impediu-me de acompanhar objectivamente o lançamento e desenvolvimento do minibasquete nas duas cidades referidas.
No período de 1966-67 a actividade desenvolve-se em Lisboa centrada em iniciativas promovidas pela Escola Preparatória Francisco Arruda, com o envolvimento directo dos Profs. Mário Lemos e João Coutinho e de Jorge Adelino Soares e envolvendo equipas representativas dos clubes e escolas. De referir que na época de 1967-68, a secção de basquetebol do Sporting Clube de Portugal ao abrir a inscrição para a prática do minibasquete contou com a adesão de 150 jovens…
Foi contudo no Porto que no mesmo período, a actividade teve um maior e mais rápido incremento.
No final de 1966 é criado na Associação de Basquetebol do Porto (ABP), sob a égide do Prof. Eduardo Nunes, o Núcleo Associativo de Minibasquete da ABP, que incluía vários dirigentes desportivos locais e pôde contar ainda com a colaboração valiosa do Prof. Armelino Bentes e do jornalista e dirigente desportivo, Alves Teixeira, director do jornal “Norte Desportivo”.
Este Núcleo elabora em 1966-67, o primeiro “Regulamento do Campeonato de Minibasquete”, que serviu de base à organização do primeiro Torneio Oficial de Minibasquete realizado no País, com a colaboração da ABP e sob a égide da Direcção Geral dos Desportos.
O 2º Torneio regional teve início em 29 de Abril de 1967 e final em 3 de Junho, tendo nele participado 25 equipas (7 do escalão A, 4 de clubes e 3 de Escolas primárias e 18 do escalão B, 16 clubes e 3 de Escolas primárias), tendo movimentado cerca de 400 jovens. O festival de encerramento teve lugar no dia 11 de Junho de 1967, no Pavilhão do Académico Futebol Clube e nele participaram equipas de minibasquete de Aveiro e da Galiza.
Outros apontamentos:
- De 20 a 25 de Maio de 1967, realizou-se no Porto, nas instalações da Escola de Educação Física o 1º Curso Regional de Monitores e Amigos de minibasquete.
Em Junho do mesmo ano realizou-se nas instalações do INEF, em Lisboa, sob a coordenação do prof. Teotónio Lima, um curso de actualização de conhecimentos de Basquetebol, incluindo uma área referente ao minibasquete, pela leccionação da qual tivemos a oportunidade de ser o responsável.
Na mesma época de 1967-68, tiveram lugar outras iniciativas relevantes para a implementação do minibasquete no nosso país:
- A Associação de Basquetebol de Setúbal dá os primeiros passos na criação de um Núcleo de Minibasquete e na organização de um curso de monitores (Profs. Mário Lemos e José Francisco Costa)
- São inaugurados em S. João da Madeira dois recintos próprios para a prática da actividade.
- Em Coimbra a delegação da Direcção Geral dos Desportos, organiza o primeiro Festival de Minibasquete.
- Outros centros como Aveiro, Barreiro (integrada nos Jogos Juvenis do Barreiro iniciados em 1964 por Augusto Valegas), S. João da Madeira, Faro… começam a dar os primeiros passos organizativos no sentido da criação de núcleos locais e distritais de minibasquete.
Para uma visão mais abrangente dos primeiros passos do minibasquete em Portugal, torna-se indispensável a leitura do livro do antigo presidente da Federação Portuguesa de Basquetebol, Albano Fernandes, “História do Basquetebol em Portugal” (1977, pgs. 754-778).
Mudando de assunto o que pensa desta iniciativa do Planeta Basket para comemorar os 50 anos do minibasquete em Portugal?
Trata-se indiscutivelmente de uma relevante iniciativa de grande significado, a merecer o empenho e envolvimento de todos os que, por diferentes formas, estiveram relacionados com o minibasquete em Portugal ao longo deste espaço de tempo.
Os depoimentos recolhidos constituirão, decerto, um acervo decisivo para a reconstituição histórica da actividade, o conhecimento das suas dificuldades e “pontos altos”. O conhecimento do passado histórico do minibasquete no nosso País, constituirá obrigatoriamente, matéria de estudo e reflexão para todos os interessados na sua evolução e consolidação.
Para finalizarmos, gostaríamos de saber se tem conhecimento da actual dinâmica do minibasquete, que importância tem esta actividade no desenvolvimento do basquetebol e que caminhos deve o minibasquete trilhar?
Na realidade não temos acompanhado de perto a actividade desenvolvida pelo Comité Nacional de Minibasquete. Contudo, as actividades para que fui convidado a participar pelo CNMB, deixaram-me uma opinião francamente positiva pelo dinamismo e entusiasmo que todos os envolvidos, desde responsáveis do CNMB, dirigentes desportivos, monitores, pais, jovens praticantes, manifestaram no cumprimento das suas tarefas.
Continuo a perfilhar as ideias dos “fundadores” do minibasquete, considerando que este não deve ter como objectivo prioritário a formação ou especialização precoce de futuros praticantes de basquetebol! Contudo, sendo os conteúdos de ensino a transmitir prioritariamente (mas não só…) relacionados com o basquetebol, é natural que muitas das crianças e jovens que escolhem o minibasquete para se iniciarem nas práticas desportivas, venham no futuro a quererem “entrar” na prática do basquetebol. Se assim for, tanto melhor… se assim não fôr, espero que aqueles venham no futuro a escolher outras vias de prática desportiva ou de acompanhamento desta como dirigentes, treinadores ou árbitros… e que os pais se sintam recompensados por reconhecerem o poderoso contributo do minibasquete para a formação dos seus filhos… e da sua própria, enquanto pais. Aliás, este relacionamento entre pais, crianças e jovens, monitores e dirigentes, constitui a base do sucesso de qualquer projecto de desenvolvimento da actividade.
Desejável será:
- Um apoio permanente e efectivo por parte da FPB às actividades do CNMB.
- A criação de um núcleo de minibasquete em todas as Associações Distritais de Basquetebol.
- A organização periódica de um “Congresso” nacional do minibasquete, a ser efectuado eventualmente em simultâneo com o Encontro nacional.
- Um maior envolvimento das Autarquias através dos seus Departamentos de Eduacação e Desporto, no apoio a diferentes iniciativas relacionadas com a actividade.
- A organização periódica e sistemática de acções específicas de formação de monitores, com conteúdos específicos e com uma “filosofia” própria na medida em que os conteúdos das matérias leccionadas nos cursos de formação de treinadores do 1º grau, não se adequam às necessidades específicas dos monitores de minibasquete.
- Aconselhável será ainda uma supervisão pedagógica regular e competente no acompanhamento do trabalho destes junto das crianças, pais e dirigentes, não esquecendo que Educação será a palavra-chave que garantirá o sucesso da actividade daqueles.
- …e que a actual equipa de dirigentes do CNMB prossiga com empenho e dedicação renovados, o muito meritório trabalho que vêm desenvolvendo nesta área, para satisfação de todos os que há cerca de 50 anos atrás se envolveram no lançamento da actividade no nosso país, e para alegria de todos quantos de uma ou outra forma têm dado o seu contributo para a valorização qualitativa do processo educativo e formativo das nossas crianças e jovens, através de uma prática desportiva, denominada minibasquete.
Comentários
Tive o privilégio de ter privado, não muitas vezes,infelizme nte, com o prof. e sempre me tratou pelo "nosso amigo do Algarve".Ficava todo satisfeito.Pudera, era toda uma região.Para além da imensidão de conhecimentos, sempre me impressionou a sua lhaneza no trato e a sua nobreza de caracter.Bem haja, prof. Carlos Gonçalves.
Permitam-me só que sublinhe, porque no plano estritamente técnico-pedagógico, a sua referência, relativamente ao processo educativo e formativo, para com as nossas crianças, sobre a necessidade da formação de monitores que o prof. tão bem assinala.
A nossa FPB, versus ENB, têm que meter "mãos à obra" !
Por tudo, obrigado prof.
Com amizade, aquele abraço.