O mito da defesa zona
 
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O mito da defesa zona

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João RibeiroEsta semana falo-vos sobre a defesa, nomeadamente num conflito de opiniões, consciências e inconsciências, que dura desde muito perto das origens do jogo – A Defesa Zona.

Relendo o livro de Don Casey e Ralph Phim – Dominar la Zona (Versão espanhola) - foi possível constatar que até no País onde o Basquetebol nasceu divergiam opiniões sobre a importância da defesa zona.

Nesta obra os autores referem que os legendários treinadores Don Meanwell e Clair Bee consideravam que as defesas zona assumiam um lugar importante no jogo. Meanwell considerava que a melhor maneira de parar um atacante talentoso seria através de uma defesa zona. Clair Bee referia que um treinador inteligente saberia adaptar cada tipo de defesa aos jogadores que tinha, considerando as fragilidades e pontos fortes de cada uma das defesas.

Do outro lado da “barricada” encontravam-se os treinadores que consideravam que a defesa contribuía para arruinar o jogo, defendendo a ideia de que a defesa zona paralisaria um jogo que tinha sido concebido para “estar constantemente em ataque”.

Duas correntes bem vincadas, que ao longo da evolução do jogo originaram, por exemplo: que no campeonato universitário houvesse equipas cujos treinadores apostaram na defesa homem a homem, nas suas vertentes com ajudas, em todo o campo, que permitem circulação da bola, que impeçam penetrações, que realizem “Traps” (2x1 obre o portador da bola), etc; e equipas que passaram a exploram as potencialidades da defesa zona, seja ela em meio campo, todo campo ou ajustada (match-up). Mas analisemos a coerência. Em qualquer das correntes estamos a falar de jovens candidatos ao alto rendimento, conhecedores do jogo, com um passado onde, eventualmente, as prioridades foram o ensino, seguido do ensinar a treinar e a competir, até ao treino e competição como objetivo central.

Do cenário anteriormente relatado, apenas realçaria uma questão que considero essencial: no contexto americano parece haver coerência e a “defesa” fundamentada de argumentos que visam o mesmo fim – formar bons jogadores seniores, fornecer-lhes bons fundamentos do jogo e particularmente na defesa dotar os jogadores de uma mentalidade e atitude no jogo através da defesa. Também desta análise depreendo que, não obstante entender-se a defesa zona como benéfica ou não, os fundamentos do ensino e treino desta opção táctica coletiva é construída através de princípios técnico táticos da defesa individual, ou homem a homem se quisermos assim denominar.

E na nossa realidade? Sim, no nosso basquetebol? Existem ideias claras sobre o papel que a defesa zona assume no nosso jogo? Ela é importante no jogo actual praticado pelos nossos seniores? Confesso que não conheço nenhum estudo feito com o jogo dos nossos seniores, diferenciado por nível competitivo e consubstanciado por depoimentos dos treinadores sobre a importância que as defesas zona assumem no modelo de jogo que definiram para as suas equipas. Seria interessante certamente uma análise a este respeito. Como seria interessante certamente entender se os treinadores de seniores quando colocam as suas equipas a defender zona conseguem, efectivamente, parar o poderio ofensivo adversário da equipa adversário.

Também ao nível do Basquetebol feminino seria interessante analisar a importância que a defesa zona tem em equipas que visam simplesmente obter resultados desportivos.

Esta proposta de estudo tem como base poder, claramente, encontrar referências e dados objectivos para que, ao longo da formação de jogador se construa uma identidade defensiva onde poderá igualmente incluir-se a aprendizagem e treino da defesa zona. Muitas ideias proliferam sobre o papel que a defesa zona assume em equipas de sub-16 e sub-18/19, certamente todas elas com lógica, ou pelo menos a lógica de quem as aplica. E até no escalão de sub-14 existe uma abordagem pedagógica de que a defesa zona não é aconselhável nestes escalões, entendendo-se a defesa individual como um patamar para inicialmente facilitar a aprendizagem dos conceitos ofensivos do jogo e posteriormente criar bases para se aprender a defender bem no futuro.

No entanto, a consciência e inconsciência de quem dirige equipas, ou coordena treinadores, é sem dúvida o que dita as regras, ou o que fomenta a sua aplicação. No fundo são pessoas que influenciam o caminho para chegar ao sucesso e decidem sobre a forma como se procura ir por atalhos para chegar, eventualmente primeiro do que os outros . E é neste emaranhado de ideias que as nossas equipas vão evoluindo na sua prática do jogo. Neste emaranhado surgem problemas didáticos e pedagógicos que parecem não ter solução, são frequentemente objecto de discussão, são focados nos cursos de treinadores, mas que infelizmente parecem não exercer a influência positiva que se esperaria. Vejamos alguns desses problemas:

  • Treinadores que, ao pretenderem enriquecer a tática individual e coletiva das suas equipas de formação, dando-lhes “ferramentas” para atacar e defender bloqueios indiretos, jogar 1x1 de costas para o cesto, contrariar ajudas ou reagir a penetrações em drible (no ataque e na defesa) chegam ao fim de semana, até em competições nacionais (para qual se apuraram esperançados de que poderão encontrar um nível de jogo mais elevado) se deparam, jornada a jornada, com equipas que jogam quarenta minutos zona;
  • Equipas de sub-14 onde não é visível existirem princípios sólidos de defesa individual, que se expressem nas ações individuais dos defensores;
  • Equipas de sub-14 refugiadas em defesas que refletem o pouco investimento no ensino da técnica e tática individual defensiva, feito através do treino e que dificilmente lhe poderemos atribuir um nome para a identificar;
  • “Duelo” entre as ditas defesas zonas contra ataques onde não há iniciativa de jogar com bola, emergindo a tão vulgar defesa “Zomem”. Aqui parece ser difícil atribuir responsabilidades a alguém;
  • Existência de defesas zona com pouca agressividade, expressas na pouca pressão no portador da bola, na permissão de passes para jogadores interiores, ajudas e ajustamentos às penetrações em drible. A estas defesas surgem ataques com ausência de capacidade ofensiva para atacar espaços livres da zona através do drible, lançar de meia ou longa distância, capacidade de passar, com oposição, para linhas de passe próximas do cesto, ou participar agressivamente no ressalto ofensivo e ausência de intencionalidade na procura de desequilibrar a estrutura da zona (sobrecarga do lado da bola, mudança do lado da bola, relação entre jogo interior e exterior).

Deste manancial de problemas emerge um jogo a tender para o medíocre, que implica elevada e desproporcional capacidade de leitura, tendo em consideração o nível da maioria dos praticantes dos escalões de sub-16, sub-18 e sub-19. No fundo, a procura de um modelo competitivo que favoreça a evolução de jovens praticantes dos sub-14 aos sub-16, parece não acompanhar a procura de um jogo mais evoluído, mas simples na sua essência tática individual e coletiva.

Nesta ausência de uma filosofia agregadora de um percurso de aprendizagem do jogo, competem consciências e inconsciências, responsáveis e irresponsáveis, acreditando certamente que o caminho é percorrido de qualquer forma para chegar a um fim que tarda em ser o de termos melhores seniores. Certo é e entenda-se, que as condições de trabalho de muitas equipas não são as melhores para construir um percurso consistente até ao alto rendimento. Mas certo é que o conceito de rendimento nos escalões de sub-14 e sub-16 não é o mesmo daquele que importa alcançar dos sub-18 em diante.

Se ganhar hoje é simplesmente o que nos move, trabalhar para o amanhã procurando que possa haver vitórias e sucesso pelo meio, é talvez o grande desafio que um treinador de jovens pode ter.

Defender zona não é proibido e enriquece o reportório tático de um jogador em formação. Mas a obrigatoriedade passa pelo treinador analisar bem o tempo que dispõe para treinar, a irregularidade com que eventualmente os seus jogadores treinam (honra aos clubes onde faltar a um treino é algo desconhecido) e tomar opções para organizar a sua equipa em conformidade com o tempo que dispõe para trabalhar bem o que pretende implementar.

Novamente esta frase batida, não ensinem muito…ensinem o bastante para capacitar os jogadores para aprender mais e melhor… Não esquecerei os ensinamentos do coach José Miranda, no que à tática coletiva defensiva diz respeito – Poucas regras, mas trabalha-lhas sempre em todos os treinos. Claro está que a ambição de poder vir a treinar uma equipa que defenda com alternâncias defensivas é grande, mas grande é a convicção de que saltando etapas provavelmente irei criar feridas e insuficiências que mais tarde os jogadores pagarão caro ao integrarem-se em equipas de rendimento.

Defesa Zona sim, no momento certo, com bases sólidas de homem a homem e na dose certa. Ganhar não é tudo, tudo é darmos o melhor de nós para criar bases para ganhar mais vezes. Se esta reflexão pode ser consensual, razões convincentes existem para que saibamos contribuir para dignificarmos a nossa intervenção enquanto treinadores num presente difícil, esperançados que o futuro possa reconhecer o investimento deste presente.

 

Comentários 

 
+2 #5 Júlio Silva 24-02-2014 17:04
Caros companheiros treinadores, amigos de longa data e competentes nos vossos trabalhos e opiniões: este tema será sempre altamente controverso, sujeito a diferenças de opinião e eternamente conflituoso na vida dos treinadores. Opino que é preciso ter uma longa carreira na modalidade para, com algum critério e baseado em convicções, tirarmos as nossas conclusões e agirmos de acordo com a nossa consciência e responsabilidad es na modalidade. Na fase que actualmente atravesso, treinador de Sub_14 "B" e coordenador de minibasquete, traço um plano de 3 épocas, no qual a DEFESA entra na 2ª época; na primeira, a defesa é a oposição ao atacante, com ou sem bola. A única dúvida que ainda tenho é, se chegar ao final deste ciclo, devo ou não incluir a DEFESA ZONA no reportório das jogadoras, isto porque muitas das actuais praticantes que treino serão, no último ano de sub_14, jogadoras com 5 ou mais anos de basquete e minibasquete. Eu, que sempre defendi que ZONAS só em Cadetes... Treinador sofre
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-1 #4 Humberto Gomes 21-02-2014 09:20
Acreditem que ao abrir as "notícias" de hoje estava de saída para o mercado do peixe, porque combinei com a minha mulher fazermos uma caldeirada para o almoço. Mesmo já quase de abalada
"surgiu" o Paulo Neta - oportuno apararecimento - a acrescentar à caldeirada aquele toque especial que, vezes quantas, marca a diferença, acrescenta algo para constituir um " prato" de excepção,absolu tamente recomendável.
Caldeirada à parte - apenas para aguçar o apetite-, também este contributo do Paulo Neta vai constar no meu "quadro de honra" para Setembro próximo.
Permitam-me apenas que, em jeito de desafio,
acrescente : quem dá mais, quem quer acrescentar
algo a estes contributos? Matéria demasiadamente séria e importante para não merecer da parte de cada um de nós a consideração que a proposta/reflexão justifica.
Tenho dito. Bem hajam.
Aquele abraço.
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+4 #3 Paulo Neta 20-02-2014 15:02
Apesar da excelência do artigo, gostaria de expressar a minha profunda convicção que o verdadeiro "drama" não reside na utilização da defesa zona tal como ela é preconizada, mas nos princípios subjacentes à "negação da defesa" em prol do domínio das áreas perto do cesto, procurando tirar partido das incapacidades dos atletas adversários. Até a defender HxH podemos fazer "batota"; Um abraço a todos, muito em particular ao autor que faz o favor de ser meu amigo!
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-2 #2 Humberto Gomes 20-02-2014 10:11
Mais uma, meu caro João. Mais uma reflexão, alicerçada numa recolha muito bem conseguida e que nos deve "alinhar" a quantos têm a obrigação de estar com os pés bem assentes numa realidade, que teimosamente alguns tentam mascarar.
Tenho presente que há aproximadamente 20 anos tive oportunidade de prelecionar numa acção sobre "Ataque contra defesas zona". Decorrido todo
este tempo, no dealbar da próxima época irei ter oportunidade de voltar a apresentar o tema.
Como contra-ponto, e porque terei de ter em conta a oposição, bem ou mal conseguida da defesa, entre a recolha/suporte de que me terei de
socorrer fica a promessa de que a presente reflexão fará parte do "quadro de honra" da mesma.I promisse !
Pelo contributo, oportuno, sereno, coerente e de enorme alcance, obrigado João.
Aquele abraço
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+1 #1 filipe alves 20-02-2014 09:47
muito bom este artigo e penso que defesas zona só a partir dos sub18 é que deviam ser aplicadas
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