Com base na minha experiência, e na sequência do meu artigo anterior, neste e nos próximos artigos vou continuar a falar sobre o tema dos jogos desequilibrados.
Hoje, para ilustrar o meu artigo anterior, vou narrar uma situação, mais que presenciada, por mim vivida. Na semana seguinte contarei outro episódio, que me fez reflectir.
Como não é meu propósito atacar ninguém nem nenhum clube, mas apenas alertar para situações que me parecem que devam no mínimo merecer alguma reflexão, no primeiro caso, não vou referir o nome dos clubes nem dos treinadores envolvidos. Já no segundo caso, que relatarei para a próxima semana, porque penso que é importante elogiar boas práticas, vou explicitamente mencionar a situação e os clubes e as treinadoras envolvidas.
Em tempos, como acontece com muita frequência, fui convidado para assistir a um convívio de minibásquete no qual a determinada altura estavam em confronto um clube com grandes tradições na modalidade, frente a um clube que já nem existe e que tentava pela primeira vez dar os seus passos no minibásquete. Face ao desequilíbrio do jogo este resumia-se à tentativa de uma criança repor a bola em jogo e a outras duas da equipa adversária pressionarem aquela criança, recuperarem a bola e lançarem ao cesto. O jogo, não saía debaixo do cesto da equipa mais fraca e literalmente apenas três crianças tocavam na bola, a que tentava desesperadamente repor após cesto, sempre a mesma criança, e as duas que pressionavam a criança que tentava repor a bola e que recuperada lançavam de imediato ao cesto. Ao assistir a esta cena, e como quem cala consente, resolvi intervir e perguntar aos dois treinadores se me deixavam arbitrar aquele jogo. Nas suas anuências, vi um olhar de alívio no treinador da equipa mais fraca e um olhar de anuência forçada no treinador da equipa que estava a esmagar a outra, mas que teve a delicadeza de não se opor.
Assim que peguei no apito chamei os minis e disse que não ia permitir nenhuma situação de dois contra um e não ia permitir, para as duas equipas, o mínimo de contacto ao portador da bola. Eles tinham de conseguir impedir que a outra equipa fosse para o cesto sem tocarem no portador da bola. Regras explicadas, jogo recomeçado, e um dos jovens continua a fazer dois contra um na reposição de bola. Apitei e disse falta. Dou a bola novamente ao jogador da equipa mais frágil e logo se repete a cena do dois contra um e eu volto apitar, o que tinha passado neste jogo, a ser uma infracção. Muito incomodado o jovem que repetidamente persistia em fazer dois contra um voltou-se para mim e disse: - “Assim não jogo! “ A minha resposta foi imediata: - “Ainda bem podes ir sentar-te!” Virei-me para o banco da equipa mais forte e perguntei: - “Quem é que quer jogar?” Todos os jovens sentados no banco levantaram o braço. Face à sua reacção, voltei-me para o treinador da equipa e disse: - “Visto que todos querem jogar, diz lá quem é que escolhes para entrar.” E o jogo continuou.
Face à diferença entre as duas equipas o resultado ficou, como quase não podia de ser, cento e tal a zero, mas o jogo, melhor ou pior passou a ser jogo, ou seja as duas equipas conseguiam chegar, evidentemente que uma muito mais do que a outra, ao cesto adversário e lançavam. Havia lançamentos nos dois cestos, uns convertiam e outros não conseguiram converter, mas acima de tudo havia jogo. É evidente que não gosto de jogos desnivelados, mas nunca me preocupei, nem deixei que os meus praticantes ficassem abatidos ou quisessem desistir por terem perdido por muitos; já me angústia quando o jogo deixa de ser jogo e um espaço de aprendizagem da sua dinâmica. No essencial quando o jogo deixa de ser jogo e passa a ser, como no caso mencionado, um mero exercício de treino de lançamento debaixo do cesto para dois jogadores da equipa mais forte, o jogo deixa de ter qualquer sentido.
Comentários
É uma reflexão que interessa fazer!!
Pela importância, oportunidade e sentido pedagógico do artigo, muitas referências poderiam ser apontadas para mostrar o caminho a alguns - não tão poucos assim, infelizmente ! - "iluminados".
Mas, sejamos claros, e coloquemos em cima da mesa a nossa realidade concreta:
Que estrutura, que competências e condições possuímos para tornar efetivo o indicar do caminho do "sigam-me" e não do "vão por ali" ?
De duas uma : Ou se faz o que tem de ser feito, ou os que forem sobrando - hoje no minibasquete e, quem sabe, amanhã na pomposa 1ª Divisão Nacional (pouco mais de 80 pontos por jogo, as 2 equipas...) - das mãos desses "iluminados" não chegarão a entregar a "Carta a Garcia".
Talvez que, entretanto, aqui bem ao lado, o querido companheiro António Carrillo possa dar uma ajuda com "El básquet a su medida".
As nossas crianças, os nossos mais jovens praticantes. saberão, um dia, reconhecer e praticar o caminho que lhes fôr indicado !
Até seria interessante saber,de todos os intervenientes nesse jogo, quantos é que ainda jogam basquetebol. E se por ventura uma entrevista fosse possível era engraçado entrevistar alguns dos protagonistas desse episódio.
No fundo não seria mais do que levar à prática a Pedagogia, aferindo a sua eficácia (ou eficiência).
As crianças fazem aquilo para que são ensinadas, e neste caso não as sensuro, mas culpo o ego e o umbigo, de muitos colegas treinadores que ainda não perceberam que treinar mini basket é uma coisa MUITO diferente de treinar Basquetebol.
Todos os dias se vêem crianças que mal sabem driblar, já a fazer a jogada “da linha”, e de reposição debaixo do cesto, e outras no meio campo com trocas a disfarçar bloqueios….
Começa cedo a formatação das crianças e a ser-lhes retirada a capacidade de pensar o jogo, decidir o que fazer e acima de tudo DIVERTIREM-SE!
Agora até já se publicam estatísticas no minibasket….. Potenciando o ego de uns, porque são os mais influentes (marcam mais pontos..), em detrimento dos mais novinhos recém chegados à modalidade...
Parabéns pelo artigo, San Payo.