Colocar a criança no centro do processo
 
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Colocar a criança no centro do processo

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José AlmeidaHá pessoas discretas, “low profile”, que não procuram holofotes. Contudo, não é por isso que não é importante ouvir o que elas têm para nos dizer. São tantas as passagens desta entrevista, que gostaria de dar destaque,

que me limito a sugerir, que leiam com atenção até ao final, o que José Almeida tem, fruto da sua longa experiência, para nos dizer.


1. Para começarmos a entrevista gostaríamos que nos falasses um pouco de ti, nomeadamente como começou a tua ligação ao basquetebol, qual tem sido o teu percurso e principalmente em que momento e que motivos te levaram a querer ser treinador?
Chamo-me José Almeida, tenho 60 anos, sou pai, marido e treinador de basquetebol. A minha ligação ao basquetebol começou como jogador, desde o último ano de minibasquete até ao primeiro ano de sénior.

Foi nesse ano que conheci o fundador do GD Bolacesto, Prof. Ângelo Cristiano Araújo e foi por influência dele que surgiu a vontade de ser treinador. Surgiu porque, observando os treinos dele, que eram no horário anterior aos dos meus, deparei-me com processos com que me identificava, completamente diferentes daqueles por onde eu tinha passado e continuava a passar. As grandes diferenças eram o ritmo contínuo do treino, a energia das jogadoras, e as situações táticas serem treinadas em jogos reduzidos, com defesa, e nunca em 5x0. Interrompi a prática, como jogador, devido ao Serviço Militar Obrigatório, mas quando este terminou entrei imediatamente para o GD Bolacesto para a atividade de treinador, na época de 1985-86. Em 2009-10 decidi tornar-me treinador em “full-time”, o que ainda hoje acontece.

2. Quando queremos mesmo aprender a experiência faz-nos refletir sobre os caminhos do processo ensino/aprendizagem do qual tu és um bom exemplo. Para além da tua experiência, quem foram as pessoas que mais te influenciaram na construção da tua metodologia de ensino?
São muitas as pessoas que me influenciaram, desde logo todas as minhas e meus atletas. Vou tentar destacar por ordem cronológica do meu percurso, pessoas que, quer pessoalmente quer através de ‘clinics’ ou documentos, foram determinantes para o meu atual estado como ser humano e treinador.

O basquetebol surgiu na minha vida através do Francisco Simões Vieira. Foi por causa dele, meu vizinho na minha infância, que fui jogar basquetebol. Se pensarmos que hoje em dia sou treinador em ‘full-time’, que foi a treinar basquetebol que conheci a minha esposa, mãe da minha filha, podemos perceber a dívida eterna que tenho para com ele. A primeira pessoa a influenciar-me para ser treinador foi, como já disse, o Prof. Ângelo Cristiano Araújo, o primeiro a mostrar-me que um treino pode ser divertido e não tem que ser “uma seca”. Dele ainda me fica a minha fobia às filas e demasiados tempos mortos no treino.

O Prof. José Ricardo Rodrigues foi importante na minha continuidade como treinador porque, quando me vi sozinho no Bolacesto, como treinador, em 1994-95, algumas conversas que com ele tive, antes e depois dos nossos jogos, foram determinantes para que não desistisse da minha missão. Além disso ensinou-me por palavras, mas também e principalmente pelo seu exemplo, que quando não temos os mesmos recursos que os outros temos que trabalhar mais e melhor.

No final dos anos 90 comecei a conviver regularmente com o Prof. Mário Barros. Tem sido um amigo um mentor e uma inspiração. Infetou-me com o vírus da incessante necessidade de aprender e não me acomodar a fazer as coisas de uma determinada forma apenas porque sempre foram feitas dessa forma.

Era eu mais um treinador que achava que o meu papel era por as equipas a fazer umas jogadas contra defesa individual, uma contra zona, um ou dois sistemas defensivos, quando me “deparei”; com Mike Mackay e Manitoba Basketball. Foi um abrir de olhos para o Games Approach e o Player Development. Foi o início de um caminho sem retorno e foi só depois disso que me senti verdadeiramente “treinador”. Até aí tive sempre a sensação de ser um contentor de temas avulsos.

Hoje em dia, depois de ter começado a acompanhar o trabalho do Alex Sarama (já não me lembro se o descobri por acaso ou se além o recomendou) estou muito virado para ideias contemporâneas (baseadas em evidências científicas) de aquisição de ‘skills’, onde um treinador (professor/formador) tem um papel de Learning Designer e não de “regurgitador” de “soluções perfeitas”.

3. Depois desta apresentação gostaria de saber na tua opinião qual é o papel mais importante do minibásquete para o universo do basquetebol federado?
O Minibasquete tem, na minha opinião, vários papeis importantes dentro do universo do basquetebol federado.

Destaco três:

  1. Trazer as crianças para a prática desportiva organizada. Hoje em dia isso é ainda mais importante devido ao grande vazio que encontramos na prática informal de jogos desportivos e pré-desportivos;
  2. Criação de hábitos e transmissão de valores. As crianças começam a aprender como se treina e como se está no treino;
  3. O desenvolvimento integral da criança, para que possam vir a ser jovens mais preparados nas vertentes física, cognitiva e emocional, áreas fundamentais para que o seu caminho como atletas seja de excelência.

4. Todas as crianças adoram jogar e quem joga quer vencer, pelo que a competição faz parte de qualquer processo desportivo. Contudo a competição pode ter subjacentes objetivos diferenciados. Na tua opinião qual é a principal finalidade da competição no minibásquete?
Assumo que quando se refere a competição, na pergunta, se trata dos jogos formais entre clubes. Na minha opinião, na formação (muito menos no minibasquete) o processo de ensino/aprendizagem não deve ser nem planeado nem implementado tendo em conta “o próximo jogo”. Dito isto, ensinar a competir é fundamental na formação e o minibasquete não é exceção. Jogar, competir, gera emoções, positivas e negativas. Para que as crianças possam competir no seu melhor têm que estar habituadas às emoções que se geram nesse contexto e, além disso, nós treinadores devemos ensiná-las a conseguirem, autonomamente, regular as emoções, isto é, identificar e compreender as reações emocionais, de forma a que estas não tenham um papel negativo, nem na performance nem no saber estar. Isto é válido para o contexto desportivo (treino, jogo) e transferível para o contexto escolar (aula, teste, exame).

As tarefas de treino devem ser desenhadas, na sua grande maioria, com um contexto competitivo. Na tomada de decisão, as emoções têm um papel fundamental. Vou dar um exemplo simples. Imaginemos uma tarefa de treino em que é dito à criança que ao receber a bola pode lançar ou passar (por exemplo, se não tiver oposição deve lançar mas se tiver oposição, seja defesa perto ou em aproximação, pode passar ao colega que não tem nenhuma oposição).

Nessa tarefa a pontuação do ataque é dada pelo cesto convertido, 2 pontos, por exemplo, e a defesa soma 1 ponto se o cesto não for convertido. Uma determinada criança pode começar por lançar porque procura a satisfação de converter o cesto, mesmo que não seja a melhor opção. É a emoção, antecipação da alegria, que determina a decisão. Depois de falhar um ou dois lançamentos, vai optar por passar, mesmo que possa lançar, porque vai ter medo de falhar. É a emoção, o medo, que determina a decisão.

Isto pode ser superado pondo o foco na melhor decisão e não na conversão ou não do lançamento, isto é, o reforço positivo pela parte do treinador é dado pela tomada de decisão, independentemente da criança/jovem obter a pontuação (competição). Pretende-se que desapareça o medo de falhar, se identifique a frustração de ter falhado, se compreenda que é natural, mas que não determine a próxima decisão. É um processo complexo porque as crianças/jovens são todas diferentes e trazem nelas uma bagagem emocional resultante das outras áreas da vida delas. Temos que estar dispostos a aceitar essa dificuldade e procurar que as crianças/jovens entendam que estamos lá para as ajudar e não para as julgar.

5. Como olhas para o atual momento do basquetebol em geral e da formação em particular, quer a nível da tua associação, quer a nível do país?
Na minha procura pela minha melhor versão tento adotar a filosofia de não me preocupar com o que não posso controlar e, quer a minha associação quer a federação são entidades onde tenho influência zero, logo, zero capacidade de controlo, por isso procuro não olhar para nenhuma delas e preocupar-me apenas com o trabalho no meu clube. No entanto estou muito longe da minha melhor versão e, infelizmente, ainda deixo, de vez em quando, que ações dessas entidades afetem negativamente o meu ‘saber fazer’ e ‘saber estar’. A federação, as associações, os treinadores, os árbitros, deviam existir com a finalidade de estar ao serviço dos praticantes. Quando isso acontecer, daremos um enorme salto de qualidade.

6. Agora uma pergunta mais difícil, se fosses o responsável pelo minibásquete no nosso país que medidas proporias para favorecer o crescimento, o desenvolvimento e consequente melhoria do minibásquete?
1) Babybasket

  • Documento orientador para o Babybasket (4-5 anos) - metodologia e pedagogia;
  • Documento de Modelo de atividades para o Babybasket - conteúdos e forma.

2) Alteração dos escalões do Minibasquete: Sub-7, Sub-9 e Sub-11
3) Criar o escalão “Infantis” constituído por Sub-12 e por Sub-11 de segundo ano que os clubes achassem justificar entrar num processo mais relacionado ao basquetebol de formação do que ao Minibasquete.

Esse escalão teria um quadro competitivo que poderia ser distrital ou regional, de acordo com o número de clubes inscritos. O quadro competitivo seria um “Super-Torneio” por mês.

Esse “Super-Torneio” seria num formato semelhante aos Circuitos de Sub12 que já se realizam (ou realizaram). O campo teria as dimensões de um campo de Sub-12 mas com linha de lance livre e linha de 3 pontos adaptadas. A bola utilizada seria de tamanho 5 e jogar-se-ia 4x4 com equipas de 12 elementos. Cada jogo teria 4 períodos de 12 minutos ao relógio, exceto o quarto período que teria 10 minutos e os 2 últimos seriam ao cronómetro.

O “Super-Torneio” teria uma classificação desde o último classificado ao primeiro, o Campeão do “Super-Torneio”, que teria direito a um troféu. Essas classificações iriam gerar um ‘ranking’ distrital/regional.

Em Maio jogar-se-iam as Fases Finais de Conferência (distrital/regional). A classificação iria gerar um ‘ranking distrital/regional final.

Em Junho jogar-se-ia o Torneio Nacional num formato semelhante ao da NCAA Tournament com os melhores ‘rankings’ distritais/regionais. Uma ou duas rondas a eliminar, cruzando equipas de diferentes regiões, jogadas em casa de quem tivesse o melhor ‘ranking’ distrital/regional e uma Fase Final Nacional (Final 6 ou Final 8 por exemplo).

7. Se tivesses que definir o que é o minibásquete numa frase apenas, e de preferência não muito longa. o que escreverias?
No Minibasquete, na minha equipa, nenhuma bola é dada como perdida. No Minibasquete, na minha equipa, aprendo o jogo mas também aprendo a vida.

8. As diferenças entre o minibásquete e o basquetebol profissional são tão grandes que nada nos garante que os melhores treinadores das equipas profissionais sejam bons treinadores de minibásquete, assim como nada nos garante que um excelente treinador de minibásquete tenha capacidades para treinar uma equipa profissional. Sendo assim, para ti qual é a característica decisiva para ser um bom treinador de minibásquete?
Tudo depende da nossa noção de quem são os melhores treinadores. Na minha opinião para se ser um bom treinador de Minibasquete é necessário saber criar empatia com as crianças, saber corrigir sem criar ressentimento, e aceitar colocar a criança, e o seu desenvolvimento integral, no centro do processo.

9. Voltemos a questões mais pessoais, todos nós somos alvos de críticas e elogios, qual foi a crítica que te possam ter feito, que tu consideras despropositada ou injusta e por outro lado conta-nos um elogio que te tenha marcado?
Sou muito virado para o meu trabalho e não procuro holofotes nem protagonismo, por isso, e naturalmente, nunca ninguém se deu ao trabalho de me fazer (pelo menos diretamente) uma crítica justa ou injusta, propositada ou despropositada. Quanto a elogios o que guardo são as palavras de antigas(os) atletas que me fazem saber que tive um papel positivo no seu percurso de vida. Considero também um elogio o privilégio da amizade de alguns (poucos) grandes treinadores com quem aprendo só por estar na mesma mesa a ouvir o que dizem.

10. Antes da última questão, como costumo terminar as minhas entrevistas, gostaria que me dissesses que mensagem consideras importante passar a quem se quer dedicar ao ensino do minibásquete?
Sou daqueles que prefere usar as palavras dos outros quando essas palavras são praticamente perfeitas para o objetivo. Vou usar as palavras de Daniel Alvarez (que também usou as de um treinador argentino que não identificou) no encerramento de um ‘clinic’ para jovens treinadores de minibasquete.

“Faz já alguns anos comecei como começamos todos. Quase sem saber porquê. Comecei por copiar os treinadores mais velhos, os da I divisão. Só queria ganhar. Assim fui cometendo erros e assim também fui acertando. Passado algum tempo compreendi finalmente porque queria estar com as crianças do Minibasquete. Não era para ganhar. Não era para fazer boa figura. Era simplesmente porque podia dar e receber algo que, inicialmente, nunca tinha imaginado. Podia dar e receber amor. Na minha terra, como em muitas outras, vão pensar que se não ganhas é porque o teu trabalho não presta, mas há apenas uma coisa que irá fazer a verdadeira avaliação do teu trabalho.

É o reconhecimento e o amor das crianças e isso não há dinheiro que possa pagar. Peço-te que penses um instante nisto, quando estiveres zangado porque as crianças não jogaram bem, quando um grito saia da tua boca, ou quando tens que dar um raspanete merecido. Tu és o modelo que as crianças vão imitar. Eles vêem-te como o amigo, o conselheiro e estão a estudar cada detalhe para te copiar, desde a roupa que vestes ao vocabulário que usas. Não te assustes. Tenho a solução para que não lhes falhes. Dá-lhes amor. Será impossível enganares-te.”

11. Finalmente a pergunta como gosto de terminar as minhas entrevistas, que pergunta gostarias que te fosse feita e que resposta darias?
Para ser sincero, nunca me senti muito confortável a dar entrevistas, principalmente quando são por escrito, mas já que cheguei até aqui, vou aceitar mais este desafio. Vou usar esta oportunidade para falar do meu clube. O GD Bolacesto é um clube de basquetebol de Vila Nova de Gaia que vai fazer 44 anos em junho deste ano. Começou por ser um clube apenas de basquetebol feminino, mas na primeira década deste século passou a ter os dois géneros. A pandemia fez-nos perder praticamente 50% dos nossos atletas. Perdemos vários escalões de competição.

Ainda hoje temos algumas cicatrizes. Não temos crianças suficientes para criar equipa de Mini8 nem temos o escalão de sub18 feminino. No entanto temos grupos de trabalho numerosos nos escalões de Minibasquete Mini10 e Mini12. Temos todos os escalões no sector masculino, com equipas B nos sub14 e sub16. No setor feminino temos equipa A e B de sub14, equipa de sub16 e equipa de seniores.

Perdemos, por época, muitas dezenas de horas de treino por escalão, devido à realização de eventos no pavilhão municipal onde treinamos. Para não pararmos completamente chegamos a realizar treinos, num pavilhão escolar, com 3 escalões em simultâneo (mais de 50 jovens). Apesar disso e apesar de trabalharmos direcionados para a formação e não para o resultado imediato, as nossas sub14 femininas estão apuradas para a segunda fase do respetivo campeonato nacional. Os outros escalões de formação de ambos os setores estão cada vez mais competitivos.

Preocupamo-nos em usar métodos de ensino que facilitem a transferência do que aprendem no treino para o jogo, mas preocupamo-nos ainda mais com a transferência dos hábitos e valores que promovemos no treino para a escola. Todos no clube, desde os dirigentes aos treinadores encaram este trabalho como uma missão. Ajudar as crianças e os jovens que nos procuram a trilhar um caminho de excelência e tornarem-se adultos de sucesso, em qualquer que seja a sua atividade.

Gostava, pessoalmente, que a Câmara Municipal de V.N. de Gaia e as forças vivas do Concelho (empresas, escolas, …) se interessassem minimamente por conhecer o nosso trabalho com as crianças e jovens e a partir daí nos dessem o apoio necessário, quer para melhorar ainda mais a qualidade desse trabalho, quer para o fazer chegar a ainda mais crianças e jovens.

Meu caro Comandante San Payo Araújo, fico muito agradecido por me ter achado digno de ser entrevistado por si.

 

 


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